Supremo manda EPUL desembolsar mais de um milhão por despedimento ilegal

Actual presidente da Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo não gostou de ser acusado de populismo esquerdista e retrógrado e mandou embora Bernardo Pinto, já lá vão oito anos.

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João Teixeira, que dirigia a EPUL à época do despedimento de Bernardo Pinto Daniel Rocha
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EPUL - que está em fase de extinção - recorreu para o Tribunal Constitucional Nuno Ferreira Santos

Quando abriu o email que lhe tinha sido enviado pelo departamento de recursos humanos naquela manhã do final de Junho, Bernardo Pinto ainda era um gestor sem manchas no currículo, com provas dadas tanto em Portugal, onde tinha sido director de planeamento estratégico da TMN, como no Brasil.

O país discutia a saída de Freitas do Amaral da pasta dos Negócios Estrangeiros e o desempenho de Cristiano Ronaldo no mundial de futebol na Alemanha, mas não era nisso que pensava o director da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, a EPUL.

Datado das dez da manhã, o email anunciava o congelamento dos aumentos salariais dos dirigentes de topo desta empresa da Câmara de Lisboa, como era o seu caso. Reagiu a quente, e hora e meia depois o seu colega dos recursos humanos recebia uma resposta sua carregada de azedume. “Adopta-se o slogan ‘Os ricos que paguem a crise’, numa óptica de populismo esquerdista retrógrado. Será que a verba está reservada para as admissões de índole política, como por exemplo a ex-assessora do presidente da câmara?”, ironizava Bernardo Pinto.

Da parte da tarde pediu a um dos administradores da EPUL – que haviam atribuído a si próprios prémios de desempenho de legalidade duvidosa  – explicações formais para a decisão de não actualizar os salários dos dirigentes. Ainda pediu desculpa ao colega dos recursos humanos, mas a desfaçatez saiu-lhe cara.

Um mês depois o informático de serviço na empresa acompanhou-o ao computador para que copiasse os ficheiros que entendesse. Mudaram-lhe a fechadura do gabinete e a sua foto foi afixada à entrada do edifício, garantindo que os seguranças não voltavam a deixá-lo passar. A 27 de Julho de 2006 chegava ao fim uma carreira de quatro anos como director de planeamento da EPUL. “A sua presença na empresa é inconveniente e mostra-se prejudicial para o bom andamento do processo disciplinar, dada a gravidade das infracções” cometidas, disseram-lhe.

Quem estava à frente da empresa era o actual presidente da Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, João Teixeira, que hoje garante não se recordar sequer do caso. Mas é sua a assinatura que está na nota de culpa do funcionário, segundo a qual a posição de chefia que ocupava limitava o seu direito de discordar ou até de criticar as decisões dos seus superiores hierárquicos.

A atitude de Bernardo Pinto foi vista como sendo “de inequívoca indisciplina e insubordinação”. Ao despedimento somou-se ainda uma queixa em tribunal de João Teixeira e restantes administradores por injúrias e difamação, que o Ministério Público arquivou por entender não existirem indícios suficientes destes crimes.

O facto de, na resposta à nota de culpa do processo disciplina que lhe foi instaurador, se ter referido aos prémios dos administradores como “um despesismo altamente injustificado e ilegal” tinha acirrado ainda mais os ânimos. No mesmo documento o director denunciava ainda vários situações do quotidiano da empresa, desde trabalhadores que raramente lá iam mas que ninguém questionava por isso, até à impunidade de um funcionário que se descobriu ter roubado computadores. Num curto período de três anos tinham passado pela EPUL doze administradores diferentes, contava também.

Ainda ninguém o sabia na altura, mas a vida do executivo camarário, então liderado por Carmona Rodrigues, não teria sequer mais um ano de vida. Os escândalos ligados precisamente aos prémios dos administradores da EPUL e sobretudo à permuta da Feira Popular pelo Parque Mayer – em cujo julgamento o antigo presidente da câmara só foi ilibado na passada semana – haviam de ditar a queda dos principais responsáveis pela autarquia e, por arrasto, a saída de vários administradores das empresas municipais.

Tratado como um criminoso
Bernardo Pinto acabou por ter de emigrar com a família, mas nunca desistiu de contestar o despedimento. Sentia, como escreveu na contestação à nota de culpa, ter sido tratado como um criminoso. Tinham já passado cinco anos quando veio a primeira sentença, declarando lícita a actuação da EPUL. Recorreu dela, mas os juízes do Tribunal da Relação também não lhe deram razão. Tivesse a acção dado entrada na justiça algum tempo mais tarde e o caso teria muito provavelmente ficado por ali: quando a Relação confirma uma sentença anterior, a lei já só permite recorrer para o Supremo em casos excepcionais.

Mas na altura não era assim, e foi com base nisso que, oito anos passados sobre a afixação da foto de Bernardo Pinto à entrada da EPUL, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça tiveram de se debruçar sobre o caso. Deram-lhe razão e mandaram-lhe pagar os ordenados dos últimos sete anos, acrescidos de uma indemnização. Como Bernardo Pinto ganhava mais de oito mil euros mensais, tudo somado ultrapassará o milhão de euros – valor que não inclui as contribuições da empresa para a segurança social.

Apesar de entenderem que o gestor “ultrapassou os limites em que lhe era permitido discordar da medida tomada pela administração”, os magistrados entenderam que isso não era motivo para despedimento por justa causa. “É verdade que se trata de um quadro superior, que não tem o direito de exigir à administração explicações sobre as medidas de gestão que esta adopte e que nada tem a ver com as motivações políticas que possam ter estado subjacentes a qualquer admissão de pessoal”, pode ler-se no seu acórdão, datado de Junho passado.

“Mas é verdade também que estamos perante um trabalhador activo e interessado, que tem um currículo que lhe confere autoridade suficiente para se exprimir sobre a vida da empresa e que reage, emocionalmente, a uma medida que considerou profundamente lesiva dos seus direitos e errada enquanto medida de gestão”. O contexto em que tudo aconteceu e o direito à liberdade de expressão também pesaram na decisão.

Numa derradeira tentativa de não pagar, a EPUL – que deve ser extinta no final do ano – recorreu para o Tribunal Constitucional. O entendimento da empresa é que, se o trabalhador auferiu alguns rendimentos de trabalho noutro lado nos últimos oito anos, eles têm de ser descontados no valor que será obrigada a pagar-lhe. À espera de decisão do Supremo está ainda outro trabalhador despedido, um arquitecto que reclama meio milhão de euros.

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