Porto Editora não quis as suas edições na Feira do Livro

Quem quisesse comprar uma edição recente de José Saramago na Feira do Livro do Porto, não a encontrava em nenhum pavilhão. A Porto Editora diz que não se fez representar porque não quis favorecer um livreiro em detrimento dos outros.

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A Feira do Livro do Porto ocupou este ano pela primeira vez os jardins do Palácio de Cristal Nelson Garrido

O grupo Porto Editora não permitiu que os livros publicados pelas suas várias chancelas estivessem presentes na Feira do Livro do Porto, que decorreu até domingo passado nos jardins do Palácio de Cristal, e cuja organização foi este ano assumida pelo pelouro da Cultura da autarquia após o fracasso das negociações com a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).

Dina Ferreira da Silva, da Poetria, livraria portuense especializada em poesia e teatro, gostaria de ter tido na feira vários livros recentes da Assírio & Alvim, mas recebeu um telefonema da Porto Editora a informá-la de que só poderia levar para a feira edições da Assírio anteriores à entrada daquela chancela no grupo editorial gerido por Vasco Teixeira. A livreira está convencida de que “a ordem foi geral” e diz achar “estranho que uma empresa como a Porto Editora tome esta atitude”.

Um dos vários livreiros de fora do Porto que participaram na feira contou ao PÚBLICO que pediu à Bertrand (outra editora do mesmo grupo) para lhe enviar livros directamente para a feira, uma vez que não faria sentido que estes andassem a viajar para cá e para lá, e recebeu a informação de que “todas as encomendas para a Feira do Livro estavam retidas”. Explicando que preferia não ser identificado, acrescentou que “tinha em boa consideração a gestão da Porto Editora”, e que por isso mesmo o surpreendeu “este gesto contraproducente”, que vê como “um tiro no pé”.

O mesmo livreiro exprimiu ao PÚBLICO a sua convicção de que “a Porto Editora não pode legalmente impedir as livrarias de ali venderem os seus livros, sobretudo se estas os compraram, e não os têm apenas em regime de consignação”. Mas “o risco de estar tudo concentrado num ou dois grupos é que depois podem fazer estas coisas”, já que as livrarias, diz, evitam o confronto com receio de possíveis retaliações. “Nem é preciso cortarem fornecimentos: se sabem que para a a minha livraria é importante um determinado título, basta-lhes atrasar o envio durante duas ou três semanas, quando anda toda a gente a querer comprar o livro”.

Já Rui Vaz Pinto, da clássica livraria portuense Unicepe, diz não ter recebido quaisquer instruções da Porto Editora, mas admite que isso se possa ter ficado a dever ao facto de ter decidido aderir tardiamente, e partilhando um pavilhão, pelo que o nome da livraria não constava da lista de participantes que a autarquia divulgou. E defende, em todo o caso, que “se a Porto Editora não quer ter lá os seus livros, está no seu direito”. A Unicepe não levou para a feira nenhum livro das chancelas do grupo de Vasco Teixeira, mas por decisão própria, diz Rui Vaz Pinto, que justifica a decisão com o pouco espaço de que dispunha no pavilhão.

Também Isabel Campos, da livraria lisboeta Ler Devagar, diz não ter recebido quaisquer instruções da Porto Editora. E também ela confirma que não levou para o seu pavilhão nenhum título do catálogo do grupo editorial portuense.

Grupo justifica opção
De resto, qualquer pessoa que tenha passado pela feira – e passaram, segundo a Câmara do Porto, mais de duzentas mil – facilmente poderia confirmar a ausência de livros do grupo Porto Editora, incluindo as novas edições dos romances do Nobel da Literatura José Saramago. Nem sequer os encontraria nos stands da FNAC, do El Corte Inglés ou da Note!, do grupo Continente.

Na conferência de imprensa em que se congratulou com o sucesso desta edição inaugural do novo modelo da Feira do Livro do Porto, o próprio vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, afirmou “não querer acreditar nos rumores” que lhe tinham chegado de que os livros de alguns autores tinham sido impedidos de estar na feira. Um rumor que, afirmou, “a confirmar-se, seria grave”.

O PÚBLICO confrontou a Porto Editora com a alegação de que procurara activamente evitar que as suas edições estivessem presentes na feira,  e o porta-voz do grupo, Paulo Rebelo Gonçalves, respondeu, por escrito, que, “tal como a generalidade das editoras portuguesas, o Grupo Porto Editora não se inscreveu na Feira do Livro do Porto” e que, “considerando as características do modelo da Feira do Livro do Porto definido pela Câmara Municipal do Porto, não delegou a sua representação em algum livreiro por entender que isso poderia constituir um favorecimento concorrencial entre livreiros”. Algo que, “para além de ser injustificável, poria em causa o excelente relacionamento que existe entre o grupo e todos os livreiros”, conclui o texto.

O resultado prático desta decisão é que as obras de um número considerável de autores não puderam estar presentes na Feira do Livro do Porto. Uma opção diferente da que foi assumida pelo grupo Leya, que pediu que retirassem o seu nome dos pavilhões onde estavam os seus livros, uma vez que não se inscreveu na feira, mas que permitiu à Calendário das Letras que vendesse as suas edições.

O PÚBLICO tentou ainda saber se o grupo Porto Editora admitia participar na feira do próximo ano - que se realizará nos mesmos moldes, segundo já garantiu o presidente da Câmara, Rui Moreira -, mas não obteve resposta.

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