Governo convida Câmara de Lisboa a concorrer à Carris e Metro, Costa não desarma

Concurso público internacional define o "mais baixo preço" como único critério para a adjudicação. Autarquia contesta e promete lutar contra o processo até às últimas consequências.

O secretário de Estado dos Transportes reafirmou nesta terça-feira que não tem dúvidas sobre a legitimidade do Governo em lançar o concurso para a subconcessão da Carris e do Metro de Lisboa e desafiou a autarquia da capital a apresentar a melhor proposta em vez de seguir pela via judicial. “Tudo faremos para que este concurso seja anulado”, afirmou por sua vez o presidente da Câmara de Lisboa, que criticou o Governo por vir, “em final de legislatura” e de forma “precipitada”, “abrir guerras destas”.

Os termos do concurso público internacional foram publicados nesta segunda-feira em Diário da República e o Governo já recebeu manifestações de interesse dos “principais operadores [de transporte] europeus”, disse o secretário de Estado Sérgio Monteiro em declarações aos jornalistas.

Em causa estão dois contratos: um para a subconcessão do sistema de transporte do Metro de Lisboa por nove anos, com obrigatoriedade de manutenção do material circulante, e outro para a subconcessão, durante oito anos, do serviço de transporte de superfície actualmente concessionado à Carris, ficando estipulada a obrigação de renovar toda a frota da companhia.

Nos dois casos, é abrangida a “exploração comercial, directa ou indirecta, de estabelecimentos comerciais, escritórios, máquinas de venda de produtos e a realização de serviços de publicidade”, como se lê no anúncio. A adjudicação fica condicionada à apresentação, pelos interessados, dos comprovativos da requisição da licença ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes para prestação daqueles serviços de transporte.

Segundo o governante, os subconcessionários não poderão, durante todo o período de duração do contrato, aumentar o preço dos bilhetes, que fica indexado à inflação.

Os interessados têm 52 dias (até 14 de Maio) para apresentar propostas, que serão vinculativas por 180 dias. O critério de adjudicação é o “mais baixo preço”, uma opção que mereceu críticas por parte de António Costa. “Revela bem qual é a intenção do Estado”, acusou, lamentando que o critério estabelecido não inclua “a qualidade, a rede, o serviço prestado”.

“O critério é a degradação do serviço”, concluiu o autarca socialista durante a reunião de câmara, antecipando que se poderá também esperar “uma ofensiva muito grande sobre os direitos dos trabalhadores” da Carris e do Metropolitano de Lisboa.

Sérgio Monteiro contrapôs dizendo que “os indicadores de qualidade e regularidade do serviço manter-se-ão iguais ou irão melhorar”. Garantiu ainda que esta operação permite ao Governo “transferir a responsabilidade do investimento no material circulante para o parceiro privado ou a entidade pública que ficar com a subconcessão”, uma vez que o Estado “não tem condições financeiras para o fazer”.

Para o vice-presidente da câmara, Fernando Medina, “o que está em cima da mesa” é “a manutenção da rede” hoje existente durante um período de oito anos. “É entregar uma operação fechada que sabemos que não funciona bem”, disse o autarca na reunião, lembrando que “o sistema perdeu 100 milhões de passageiros em quatro anos”.

Também o PCP condenou aquela que considera ser uma decisão “absolutamente desastrosa” do Governo, defendendo que o município deve “travá-la por todos os meios ao seu alcance”. Para o vereador João Ferreira, esta que é “uma decisão estruturante para o futuro do serviço público de transportes” é ainda “mais condenável” por acontecer “no fim do tempo de vida do Governo”.

Câmara vai impugnar
Com os votos favoráveis da maioria e do PCP, e os votos contra do PSD e do CDS, foi aprovada na reunião uma proposta que mandata António Costa para “intentar todas as acções judiciais ou arbitrais, incluindo procedimentos cautelares, que se revelem necessárias à defesa dos interesses do município”.

Entre as acções a desencadear está a impugnação da resolução de Conselho de Ministros que deu luz verde ao lançamento do concurso, que o presidente da câmara considera ser “ilegal”. “O Estado carece de competência para abrir o concurso”, justifica o autarca, defendendo que “nos termos da lei a entidade habilitada para exercer a função de concedente é o município e só o município”.

Sobre isto, o secretário de Estado não tem dúvidas. “O Estado é o concedente e tem plena legitimidade para lançar o concurso”, afirmou, remetendo para um parecer favorável do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, que será publicado em breve. “Estamos confortáveis na solidez e robustez jurídica do parecer”, realçou, poucas horas depois das declarações feitas por António Costa: “Nem o Estado tem competência para concessionar ou subconcessionar, nem os conselhos de administração o podem fazer sem autorização do concedente." O autarca deixou no ar uma pergunta em tom de desafio aos privados que venham a concorrer à subconcessão: estarão eles preparados para “entrar em conflito com o município” em questões como “a localização das paragens, o sentido das vias e a existência de corredores bus”?

Pelo PSD, Fernando Seara contestou a interpretação do presidente da câmara, e sustentou que é o Estado o titular das concessões que estão hoje em vigor. “Muita doutrina converge no meu entendimento”, afirmou o autarca. Já o vereador do CDS, João Gonçalves Pereira, defendeu que a votação da proposta subscrita por António Costa devia ser adiada até que fosse conhecido o caderno de encargos do concurso, ideia que não foi acolhida pelos restantes eleitos.

Em Novembro de 2014, a autarquia aprovou com os votos contra da oposição uma “proposta de assunção” da gestão da Carris e do Metro “por contrato interadministrativo a celebrar com o Estado”. Esta proposta, porém, foi rejeitada pelo Governo por “puro preconceito ideológico”, diz António Costa. A explicação de Sérgio Monteiro é outra: “Tínhamos de saber o que os privados propunham para saber se a proposta da câmara era melhor”.

Agora, “a bola está com a Câmara de Lisboa”, diz o secretário de Estado. A autarquia “pode apresentar-se a concurso e, apresentando a melhor proposta, certamente que será considerada”, afirmou, apelando ao município para não ir pela via judicial. "A Carris e o Metro adoptarão as diligências necessárias para que o concurso não pare", garantiu.

Sérgio Monteiro disse ainda que espera que a autarquia “valorize” a “boa-vontade do Governo”, por fazer coincidir o termo dos contratos de subconcessão com o fim dos contratos de concessão de que é titular. “No final deste processo [em 2023 no caso da Carris e em 2014 no caso do Metro] já será a Câmara de Lisboa a lançar os concursos”, declarou.

Na reunião da câmara desta terça-feira foi também aprovada uma moção do PCP, que teve os votos favoráveis da maioria e os votos contra do PSD e do CDS, na qual se manifesta a oposição ao Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros, que está em discussão na Comissão de Economia da Assembleia da República.

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