Câmara ignora parecer da Assembleia Municipal e avança com alterações na Emel sem a ouvir

Quarta-feira a câmara discute uma alteração de estatutos da empresa que, dizem o PSD e o PCP, visa abrir a porta à assunção da Carris e do Metro.

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A Câmara de Lisboa quer alterar os estatutos da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento Filipe Arruda

Caiu em saco roto o parecer, subscrito por todas as forças políticas representadas na Comissão de Mobilidade da Assembleia Municipal de Lisboa, que defendia que este órgão autárquico devia ser chamado a pronunciar-se sobre a alteração de estatutos da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel). A câmara, que sublinha que “toda esta questão deve colocar-se no plano jurídico”, vai mesmo avançar com este processo sem ouvir a assembleia.

Esta quarta-feira, a câmara vai discutir uma proposta, do vereador Manuel Salgado, que visa “apreciar” uma alteração dos estatutos da empresa e “mandatar o representante do município de Lisboa na assembleia geral da empresa [que é o próprio Manuel Salgado] para aprovar essa alteração”. O objectivo dessa modificação é, diz-se no documento, “harmonizar os estatutos com a diversidade das intervenções a cargo da Emel”, bem como consagrar a participação da empresa “em projectos de internacionalização”.

A votação desta proposta já tinha estado agendada por duas vezes, mas acabou por ser adiada depois de vários vereadores da oposição e dos Cidadãos por Lisboa (eleitos na lista do PS), terem manifestado dúvidas sobre a sua legalidade e defendido que ela deveria também ser apreciada pela assembleia municipal.

No início de Outubro, a Comissão de Mobilidade daquele órgão autárquico aprovou, por unanimidade, um parecer no qual se diz que a “interpretação” de que a alteração de estatutos de uma empresa municipal não tem de ser submetida à apreciação da assembleia “contraria a prática existente no município de Lisboa e em inúmeros outros municípios portugueses”. “Como se poderá aceitar que quem tem o poder de criar uma empresa municipal não tenha depois o mesmo poder para aprovar a alteração da sua área e domínio de intervenção ou das normas que regem o seu funcionamento?”, questionam os deputados.

Esta quarta-feira, o assunto volta a estar na agenda da reunião camarária, verificando-se que a tomada de posição da assembleia não foi acolhida. O autor do parecer da Comissão de Mobilidade, o deputado municipal Fernando Nunes da Silva, dos Cidadãos por Lisboa, disse ao PÚBLICO que só iria pronunciar-se sobre esta questão depois de a câmara o fazer.

Em declarações anteriores, o deputado, que foi vereador da Mobilidade durante o segundo mandato de António Costa, acusou Manuel Salgado de, tanto neste processo como no da Colina de Santana, se ter “esquecido” que “na estrutura do poder local, o órgão deliberativo por excelência é a assembleia”. Questionado sobre se acreditava que a câmara ia recuar e submeter a alteração de estatutos à assembleia, Nunes da Silva afirmou então: “Não se trata de um recuo mas de repor a legalidade jurídica e sobretudo a política”.    

Os dois vereadores dos Cidadãos por Lisboa declinaram comentar este assunto. Já o vereador António Prôa transmitiu ao PÚBLICO que o PSD está “em desacordo” com a proposta da câmara, por questões “de forma e de conteúdo”, antecipando que o sentido de voto do seu partido “tendencialmente não será favorável”.

António Prôa afirma que a lei “não exige, mas também não proíbe”, a submissão à assembleia de alterações de estatutos de empresas municipais, lembrando que no passado a câmara optou por levar àquele órgão documentos que a legislação não impunha que lá fossem.

Além disso, o vereador sublinha que aquilo que se pretende fazer é “uma alteração muito profunda da actividade da empresa”, no sentido de “abrir a porta para que a Emel fique apta a vir a assumir a gestão da Carris e do Metropolitano de Lisboa”. Assim sendo, defende António Prôa, “seria correcto e prudente que a assembleia se pudesse pronunciar”.

Posição semelhante tem o PCP. O vereador Carlos Moura considera que, do ponto de vista jurídico, "não é obrigatório que a câmara leve esta situação à assembleia", mas entende que, por "uma questão política", isso deveria acontecer. Até porque, frisa, está em causa uma alteração estatutária "substancial, que tem uma relevância que ultrapassa em muito alterações de pormenor".

Carlos Moura sublinha ainda que o seu partido é contra o "aumento do objecto da Emel" que, lembra, "foi criada para gerir o estacionamento na cidade". Nesse sentido, o autarca defende que não faz sentido que a empresa venha a assumir a gestão de "estacionamento noutros locais, mesmo fora do país" ou da Carris e do Metropolitano de Lisboa. No caso concreto dos transportes públicos, o PCO considera aliás que isso significaria "uma abertura a uma privatização" futura.    

Pelo CDS, João Gonçalves Pereira partilha da opinião de que a assembleia deve ser ouvida. “Cria-se um precedente que não é positivo”, diz o vereador, salientando que esta é uma questão que se coloca “sob o ponto de vista político, independentemente da questão jurídica”.

Já a câmara transmitiu, através do Departamento de Marca e Comunicação, que “toda esta questão deve colocar-se no plano jurídico”. “É do entendimento do executivo, suportado por um parecer jurídico, que a competência de se pronunciar sobre a alteração de estatutos das empresas municipais é da Câmara Municipal. Aliás, a Câmara Municipal de Lisboa já aprovou este ano, nos mesmos termos, a alteração dos estatutos da SRU Ocidental”, diz-se numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO.     

Notícia actualizada às 12h24: Acrescenta a posição do vereador do PCP

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