É nas finanças da câmara, que tantas "dores de cabeça" lhe dão, que Medina vai ter o maior desafio

Terá Fernando Medina a capacidade de gerar consensos que quase todos reconhecem a António Costa? A oposição e o sindicato dos trabalhadores da Câmara de Lisboa vão esperar para ver.

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O PSD questiona a legitimidade de Medina e antecipa dificuldades no comando do executivo camarário Rui Gaudêncio

No dia em que foi formalizada a descentralização de competências para as juntas de freguesia de Lisboa, Fernando Medina não escondeu algum “alívio”. Depois disso, voltando a dar mostras de uma informalidade raras vezes vista na cúpula do executivo municipal, confessou que a gestão das finanças camarárias lhe traz muitas “dores de cabeça” e noites sem dormir. Agora que está na calha para suceder a António Costa, a oposição não tem dúvidas de que é nas contas que o economista vai encontrar aquele que será um dos seus maiores desafios.

Quando Fernando Medina chegou à Câmara de Lisboa, há pouco mais de um ano, António Costa entregou-lhe, além da vice-presidência, dois dos mais difíceis pelouros do município: o das Finanças e o dos Recursos Humanos. Antes dele, essas pastas tinham estado nas mãos de José Cardoso da Silva e Maria João Mendes, nenhum dos quais foi além do primeiro mandato.   

Sem experiência autárquica, o socialista que tinha sido secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e, mais tarde, da Indústria e do Desenvolvimento teve na reforma administrativa de Lisboa uma das suas primeiras provas de fogo. No “dia D” dessa reforma, que coincidiu com o seu 41º aniversário, Fernando Medina lembrou “as centenas de reuniões, os milhares de horas, as trocas de ideias acaloradas, intensas, até desoras” com os presidentes de junta da capital. Foi, resumiu, “um combate com 24 forças especiais, com diferentes tácticas negociais”.

António Prôa, vereador que foi um dos representantes do PSD nas negociações que viabilizaram um entendimento com o PS relativo à reforma administrativa, considera que a transferência de competências da câmara para as freguesias foi “o mais relevante” do trabalho feito por Fernando Medina ao longo deste seu ano de estreia no município. Sendo certo, nota, que o socialista “beneficiou muito do trabalho que tinha sido preparado pela vereadora Graça Fonseca”, que foi quem coordenou este processo no anterior mandato.  

O autarca social-democrata entende que aquilo que diz respeito à relação com as juntas “correu bem”, defendendo que o número dois de António Costa desenvolveu “um trabalho muito intenso” e “conseguiu construir uma relação de confiança” com os presidentes daqueles órgãos autárquicos. Mas António Prôa faz uma avaliação menos positiva do “processo de transferência de pessoal”, acusando Fernando Medina de não ter feito “um planeamento adequado”, o que fez com que a câmara acabasse por ficar “desguarnecida” em áreas como a higiene urbana.

Quanto ao futuro, o vereador do PSD destaca dois desafios com que o socialista terá de se confrontar num curto espaço de tempo, seja como presidente ou ainda como vice-presidente: a reestruturação dos serviços camarários, que António Prôa diz ser “muito urgente” e lamenta que não tenha sido feita “a par” com a descentralização de recursos humanos para as freguesias, e “a necessidade de repensar a situação financeira do município”.

Lembrando a “quebra significativa das receitas” a que o município vem assistindo nos últimos anos, e que tem sido, aliás, repetidas vezes sublinhada tanto por Fernando Medina como por António Costa, o autarca social-democrata diz que a câmara tem que promover “uma redução estrutural da despesa”. Apostar num “aumento de taxas e de impostos”, acusa António Prôa, seria “o caminho fácil e preguiçoso”.

Também o vereador do CDS acredita que é com as finanças camarárias, que estão já hoje nas suas mãos, que Fernando Medina mais terá de se preocupar. “É como num orçamento familiar: se as receitas diminuem, tem de se diminuir a despesa”, diz João Gonçalves Pereira, para quem a actuação da câmara deverá passar pela definição de “uma estratégia de longo prazo” assente num corte das despesas.  

O autarca centrista considera que essa é uma matéria que “deve merecer um largo consenso das forças políticas” e, por isso, apela a Fernando Medina para que tome a iniciativa de convidar os vereadores da oposição a sentarem-se à mesa com ele para discutir o assunto.

Resta saber, diz a esse respeito António Prôa, se aquele que ao que tudo indica será o próximo presidente da Câmara de Lisboa “terá capacidade de gerar consensos e envolver a oposição, como fez António Costa com a reforma administrativa e com o pacote fiscal”.

A dúvida é partilhada pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML). “Espero que Fernando Medina tenha abertura para o diálogo e para as negociações, que tenha flexibilidade para discutir e para aceitar as opiniões do sindicato”, diz Vítor Reis, evocando o exemplo de António Costa, com quem foi possível alcançar “alguns acordos” ao longo dos últimos meses.

A reestruturação dos serviços da câmara, que o dirigente sindical acredita que será obrigatoriamente “profunda”, dado o “esvaziamento de competências” que ocorreu em áreas como “a educação e o desporto”, é uma das matérias relativamente às quais o STML promete dar luta.

Quanto à criação de serviços municipalizados para a área da higiene urbana, Vítor Reis recusa embarcar na ideia veiculada por António Costa de que esse será um processo sem resistências: “Temos procurado informação e não nos adiantam grande coisa. Vamos ver... Há experiências e experiências”, diz com cautela, reconhecendo que “há sítios onde tem funcionado bem e melhorado os serviços”.

Na Assembleia Municipal de Lisboa e na câmara, os eleitos do PSD têm sublinhado a tese de que falta a Fernando Medina “legitimidade” para assumir a presidência do município, dado que não se apresentou como cabeça de lista nas últimas eleições autárquicas. Tanto Sérgio Azevedo, líder da bancada do PSD na assembleia, como António Prôa antecipam que isso poderá traduzir-se em dificuldades no comando de um executivo camarário que junta socialistas, elementos dos Cidadãos por Lisboa e o independente José Sá Fernandes.

Também há quem anteveja que poderá não ser fácil a relação de Fernando Medina com a assembleia municipal. Desde logo, com a sua presidente, Helena Roseta, que faz questão de dizer que “apesar de haver teoricamente uma maioria absoluta do PS com os independentes, aqui na assembleia não são favas contadas”. Mas também com a própria bancada socialista, à frente da qual está Rui Paulo Figueiredo, que foi um apoiante assumido de António José Seguro.

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