Lisboa e Vila Franca trocam Valorsul pela Tratolixo durante a greve

Apesar desta solução, o autarca da capital avisa que a recolha do lixo poderá não ser feita esta noite.

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Câmara quer impedir o Estado de alienar o capital maioritário da Valorsul, através da privatização da EGF João Henriques/Arquivo

A Câmara de Lisboa enviou camiões carregados de resíduos sólidos urbanos (RSU) recolhidos no concelho para serem despejados nas instalações da Tratolixo, em Trajouce, Cascais, devido à greve na Valorsul. A Câmara de Vila Franca de Xira vai pelo mesmo caminho. Mas o presidente da câmara da capital, António Costa, avisa que esta noite o lixo poderá ficar por recolher e acusa o Governo de organizar um “cartel” para impedir a câmara de procurar alternativas. O Ministério do Ambiente reagiu "com surpresa" à decisão do autarca.

Os trabalhadores da Valorsul, empresa que recebe e trata os resíduos de 19 concelhos da Grande Lisboa, estão em greve desde as 00h de segunda-feira e assim vão continuar até quinta-feira. Protestam contra a privatização da Empresa Geral do Fomento (EGF), a sub-holding do Estado para o sector dos resíduos, que gere a recolha e o tratamento de lixo através de empresas como a Valorsul.

Desde o início da paralisação, a Câmara de Lisboa fez apenas uma recolha na noite de segunda para terça-feira, que esgotou a capacidade de armazenamento municipal, uma vez que os camiões não puderam entrar nas instalações da central de tratamento da Valorsul em S. João da Talha, Loures, para depositar o lixo. "Não estão a ser cumpridos os serviços mínimos", acusou o presidente da câmara da capital, numa conferência de imprensa esta tarde.

“Na noite de terça para quarta já não tivemos condições para proceder à recolha do lixo e desde ontem [terça-feira] que temos lutado para encontrar uma alternativa que nos permita despejar o lixo e evitar fazer reflectir sobre a população da cidade de Lisboa as consequências desta greve, que é da única e exclusiva responsabilidade do Governo”, afirmou o autarca socialista.

Aproveitando a disponibilidade dos autarcas de Cascais, Oeiras, Sintra e Mafra, já manifestada na sexta-feira, para receber os resíduos de Lisboa na Tratolixo, o município enviou para Trajouce os camiões com o lixo recolhido na primeira noite da greve.  À Lusa, o presidente da Câmara de Sintra (município principal accionista da Tratolixo), Basílio Horta (PS) disse que está previsto que mais de 230 camiões vão depositar lixos da capital na central de tratamento. “Não temos a certeza de que hoje [quarta-feira] conseguimos depositar todos os resíduos que recolhemos e portanto há uma grande probabilidade de esta noite não conseguirmos fazer a totalidade dos circuitos”, disse António Costa, reforçando o apelo aos lisboetas para que evitem depositar lixo na rua.

Por sua vez, a Câmara de Vila Franca de Xira, outro município servido pela Valorsul, anunciou que vai fazer recolha de lixo no concelho e enviá-lo também para a Tratolixo, embora esta empresa multimunicipal não confirme a informação. "Uma vez que não tem havido condições por parte da Valorsul para aceitar o depósito nas suas instalações, a opção alternativa será efetuar esse depósito na Tratolixo", justifica a câmara numa resposta escrita enviada à Lusa.

Governo montou "cartel"
António Costa acusa o Governo de ter montado um esquema para que a Câmara de Lisboa não conseguisse arranjar alternativas à deposição na Valorsul. “Ao longo do dia de ontem [terça-feira] o ministério do Ambiente tentou por diversas formas organizar um cartel que nos impedisse de encontrar alternativas para a deposição dos nossos resíduos, quer em aterros privados, quer noutros sistemas de tratamento de lixo”, declarou.

Segundo o autarca, todas as empresas contactadas invocaram "argumentos que tinham a ver com serviços do Ministério do Ambiente, que lhes foram comunicando a impossibilidade e a não autorização para receberem os resíduos do município de Lisboa". Para Costa, esta posição do ministério baseia-se na "afirmação falsa" divulgada pela Valorsul de que a central de tratamento estaria a funcionar.

Na terça-feira, 30 camiões carregados com o lixo recolhido na capital dirigiram-se às instalações da Valorsul em S. João da Talha, Loures, mas voltaram para trás. Hoje a situação repetiu-se, com um veículo de uma junta de freguesia da capital. "As informações que têm sido divulgadas pelo presidente do conselho de administração da EGF são falsas e retiram credibilidade às funçoes que está a exercer", acusa António Costa.

O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, esteve durante a tarde reunido com a administração da Valorsul e da EGF. No final da reunião, o ministério emitiu uma nota classificando como "incompreensíveis e infundados" os comentários de António Costa e dizendo que "regista com surpresa" a decisão de enviar os resíduos para a Tratolixo. Sublinha ainda que tem apelado ao cumprimento dos serviços mínimos e à "não instrumentalização da paralisação para fins ideológicos".

Em resposta ao PÚBLICO por email, o presidente do Conselho de Administração da EGF, João Pedro Rodrigues, sublinha que durante a greve "14 dos 19 municípios servidos pela Valorsul têm vindo a realizar as descargas dos seus resíduos com normalidade". E continua: "Em Loures, na Central de Valorização Energética de S. João da Talha, verificou-se hoje [quarta-feira] que uma viatura da Câmara Municipal de Lisboa não conseguiu depositar os seus resíduos. Logo após se ter constatado essa situação, foram tomadas providências para que tal não voltasse a verificar-se e foram de imediato abertos os portões da central tendo sido estabelecidas as condições para descarga de resíduos".

O administrador diz ainda que "a confirmar-se a opção de entrega de resíduos sólidos urbanos noutras instalações fora da Valorsul, esta configurará uma violação da exclusividade do tratamento dos Resíduos Urbanos consagrada no Contrato de Concessão e nos Contratos de Entrega e Recepção com os municípios integrados na Valorsul".

Aviso aos privados
À semelhança dos restantes 18 municípios servidos pela Valorsul - Alenquer, Alcobaça, Amadora, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lisboa, Loures, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Odivelas, Peniche, Rio Maior, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira - Lisboa está contra a privatização da EGF, aprovada no final de Janeiro em Conselho de Ministros. "Não há nenhuma razão económico-financeira que justifique este processo de privatização", defende António Costa, lembrando que no ano passado a Valorsul teve lucro de seis milhões de euros.

Caso o processo avance, o autarca da capital promete denunciar o contrato de exclusividade que tem com a empresa. "Qualquer alteração unilateral da composição accionista da Valorsul sem o acordo dos municípios e sem que os municípios mantenham a maioria do capital, do nosso ponto de vista põe imediatamente em causa o contrato de exclusividade de fornecimento de matéria-prima que temos com a Valorsul", avisa. Por isso, "todo e qualquer privado que esteja eventualmente interessado num processo de privatização deve ter as maiores cautelas", sublinha.

Questionado sobre que solução alternativa está a ser equacionada para o tratamento dos resíduos dos lisboetas caso o contrato seja denunciado, uma vez que a Valorsul possui a única incineradora da Grande Lisboa, Costa responde apenas que "o céu é o limite".

Notícia actualizada às 12h13 de 20/03: acrescenta reacção do ministério do Ambiente e do administrador da EGF

 

 

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