Artistas do Castelo de S. Jorge acusam direcção de os expulsar e de fazer concurso “ilegal”

EGEAC anunciou em Julho um programa para “capacitar” os artesãos mas nunca disse que iria obrigar alguns a sair. Até ao final do ano, sete artistas têm que abandonar o interior da muralha

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Alguns artistas trabalhavam dentro da muralha há mais de 20 anos Paulo Ricca/Arquivo

Alguns dos artesãos e músicos que expõem e tocam há vários anos dentro das muralhas do Castelo de S. Jorge, em Lisboa, dizem ter sido forçados a sair daquele local até ao final do ano, sem que lhes tenha sido dada qualquer explicação. A EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, que gere o castelo, argumenta que tem uma nova “política estratégica”, na qual não existe lugar para todos.

Anunciada como um “programa de capacitação” de participação gratuita, a “Academia do Castelo” destinava-se aos artistas que vendem os seus artigos dentro da muralha. O objectivo, segundo a SBI Consulting, consultora contratada pela EGEAC para o efeito, era “potenciar” os negócios já existentes, ajudando os artesãos a “requalificar da oferta” naquele que é o monumento mais visitado de Lisboa – mais de um milhão de turistas em 2013, 90% estrangeiros.

Quando falou ao PÚBLICO em Julho, Marta Miraldes, da SBI Consulting, não disse que os participantes seriam avaliados no final do programa e que, consoante a avaliação, poderiam ou não permanecer no castelo. Essa informação não consta da nota de imprensa divulgada na altura.

Mas foi isso que aconteceu. Pelo menos sete dos 12 artistas que pagavam à EGEAC pela cedência de um espaço no Castelo de S. Jorge terão que abandonar o local a 31 de Dezembro. Nalguns casos terão de sai porque não concluíram o programa com sucesso, noutros simplesmente porque não se enquadram nas duas “linhas programáticas” em que assenta a nova estratégia para o castelo. São elas a Start Up Lisboa@Castelo, que inclui “projectos com um conceito marca/produto inovador, assente na valorização experiencial de um produto”, e a Arts&Crafts @Castelo, que abrange “projectos de carácter artesanal, com possibilidade de produção no local”.

“Em ambas as linhas estão excluídos projectos de negócios de animação cultural, designadamente de música, artes performativas, entretenimento e lazer”, explica a empresa, através do seu gabinete de comunicação. Cada "linha" pode incluir quatro projectos mas até agora foram seleccionados três, para os quais será elaborado um contrato para 2015.

Três músicos e um massagista foram logo excluídos. "Não faz sentido andarmos a cobrar uma licença para desenvolver as mesmas actividades que contratamos outras pessoas para vir fazer": foi esta, segundo o músico Pedro Godinho, a única explicação dada pela directora do castelo, Teresa Oliveira. Este artista, que toca guitarra dentro das muralhas há 19 anos, diz que nunca ouviu da direcção qualquer queixa sobre a sua actividade, muito menos por parte dos visitantes, que se desdobram em elogios nos comentários ao seu trabalho, na Internet.

João Bastos, outro músico forçado a sair, acrescenta: "Havia uma paz podre, nunca tivemos uma opinião, um feedback por parte da direcção do castelo". Por isso estranhou a decisão que ouviu em Julho. Agora equaciona ir conduzir um tuk-tuk para se sustentar a partir de Janeiro, embora não pretenda deixar a música.

Quanto aos artesãos que se inscreveram no programa, a EGEAC garante que foram informados de todas as condições, desde o início. Pedro Roberto, artista plástico que expõe e pinta no castelo há 21 anos, nega.

Em Julho, Pedro Roberto foi informado pela direcção do monumento de que não poderia renovar a licença semestral de 410 euros, que sempre pagou para trabalhar no local. Foi “confrontado com a obrigatoriedade de frequentar um curso de capacitação de venda ambulante” como condição para ficar. Inscreveu-se mas não aqueceu o lugar: “Percebi que não era um curso mas sim um concurso, sobre o qual nenhum de nós sabia quais as regras ou critérios de avaliação.”

O artista de 49 anos diz que só no final de Setembro é que os participantes souberam que apenas havia lugar para quatro. Por considerar que o programa é “ilegal de uma ponta à outra”, o artista, que estudou Direito na Universidade Católica, disparou reclamações para várias entidades: Câmara de Lisboa, EGEAC, Provedor de Justiça. Até agora só a EGEAC respondeu, sublinhando que o programa não é um “concurso por prévia qualificação”, mas sim uma forma de "habilitar os actuais titulares de cedência de espaço no Castelo de S. Jorge das competências adequadas a habilitação a uma possível futura ocupação".

"Não há modernização nenhuma quando se trocam artistas com trabalho genuíno por fotocópias", critica Pedro Roberto, afirmando que essa foi a sugestão da consultora para que uma das artesãs possa permanecer no castelo. "Ainda não compreendi como é que esta política se coaduna com o combate à exclusão social e às desigualdades, estandarte eleitoral do Partido Socialista, temática de muitos discursos do Dr. António Costa", reclama o pintor, que tem duas netas menores a seu cargo. "Ficaremos sem meios de subsistência."

Ao PÚBLICO, a EGEAC adianta que os projectos que não cumpriram "os requisitos mínimos, por decisão do júri, serão reavaliados no decorrer do primeiro semestre de 2015, com a apresentação das novas propostas pelos artistas/artesãos, cessando o acordo de cedência em 31 de Dezembro de 2014".

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