Aprovação de obras de ex-deputado do PSD causa suspeitas na Câmara da Covilhã

Os dois prédios onde foram encontrados indícios de ilegalidades foram aprovados em 2006 e pertenciam a Vitor Raposo e ao filho de Duarte Lima.

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A câmara vai participar o caso ao Ministério Público Paulo Ricca

A Câmara da Covilhã vai participar ao Ministério Público um conjunto de situações que apontam para a prática de ilegalidades nos processos de licenciamento, em 2006, da construção de dois edifícios do antigo deputado do PSD Vitor Raposo e de um filho do ex-líder parlamentar daquele partido, Duarte Lima.

As suspeitas surgiram no decurso de uma de várias auditorias que o executivo socialista eleito em Setembro mandou efectuar aos mandatos anteriores, liderados pelo PSD.

De acordo com os resultados de uma primeira avaliação daqueles processos, efectuada por um consultor da autarquia, o número de apartamentos e de pisos autorizados é superior ao que tinha sido fixado no alvará de loteamento e no programa da hasta pública através da qual Vitor Raposo comprou os lotes ao município.

As dúvidas levantadas pelo auditor abrangem também a forma como as obras de um dos edifícios foram autorizadas em violação das exigências legais relativas à distância que o separa de uma escola, e as contradições existentes entre alguns pareceres dos técnicos camarários e as decisões tomadas pelo executivo liderado pelo também ex-deputado do PSD Carlos Pinto.

Surpreendente é igualmente o facto de o auto de arrematação dos dois lotes na hasta pública realizada em 22 de Agosto de 2005, assinado por um vereador, ter data de 3 de Agosto desse ano. As parcelas arrematadas por Vitor Raposo, nas quais foram construídos dois edifícios de habitação de grandes dimensões, situam-se perto da rotunda do Hotel de Santa Eufémia e do centro comercial Serra Shopping. 

Num dos casos, de acordo com o relatório do consultor, o director do gabinete de planeamento estratégico da câmara propôs o indeferimento do projecto em Janeiro de 2006. Motivos: o número do pisos propostos (12) e a área de construção excediam os parâmetros que serviram de base à hasta pública e ao cálculo dos valores oferecidos pelos concorrentes; o número de lugares de estacionamento previstos era inferior ao que a lei determina; e não era feita prova de que o afastamento mínimo do prédio (edifício Requinte) em relação à escola vizinha era respeitado.

O relatório não quantifica, porém, o excesso de pisos e de área construída, nem o défice de lugares de estacionamento. Também não refere se na hasta pública participou apenas Vitor Raposo, ou se houve outros concorrentes.

O PÚBLICO, que não consultou os processos, não conseguiu obter nesta quinta-feira, junto da Câmara da Covilhã, os elementos necessários para fazer essa quantificação e para esclarecer o modo como se realizou a hasta pública.

A proposta de indeferimento do projecto, refere o consultor, não foi objecto de qualquer despacho superior que seja conhecido, mas cerca de um mês depois o seu autor mudou de posição. Numa segunda informação contradiz-se a si próprio, argumentando que, afinal, os parâmetros do programa da hasta pública eram apenas “dados de referência”, pelo que não impediam a aprovação de áreas, fracções e pisos diferentes. E propõe a aprovação do projecto, a qual é comunicada a Vitor Raposo dois dias depois.

No caso do outro edifício, as divergências prendem-se com os parâmetros constantes no alvará de loteamento e os que foram aprovados, sendo que os dois teriam de coincidir. Outro aspecto indiciado é o de, também neste processo, a aprovação não ter tido em conta um parecer técnico que considerava caducada uma autorização dada dois anos antes pelo secretário de Estado da Administração Educativa, em termos que são questionados no relatório, para que o prédio fosse erguido junto à escola.

O PÚBLICO contactou ontem o presidente da Câmara da Covilhã, Vitor Pereira, que confirmou a autenticidade do relatório do consultor, dizendo apenas que “foram detectadas situações que podem consubstanciar ilegalidades, as quais serão comunicadas ao Ministério Público quando estiver pronto o relatório final da auditoria a estas e outras situações”.

As ligações a Duarte Lima
O licenciamento dos dois edifícios começou por ser requerido por Vitor Raposo, mas logo a seguir a propriedade passou para o nome da Duliserra, uma imobiliária cujo capital pertence àquele empresário de Bragança e a uma outra sociedade, a Dulivira, cuja administração era partilhada por ele e por Pedro Lima, filho de Duarte Lima.

Em 2006, os dois eram também sócios de uma outra imobiliária, a Ideialoft, e estão actualmente a ser julgados por burla qualificada, juntamente com Duarte Lima, no caso da aquisição de terrenos em Oeiras, através do fundo imobiliário Homeland, ligado ao BPN.

Sob investigação está desde o início deste ano a prática do crime de fraude fiscal pelos arguidos daquele processo. O PÚBLICO tentou ontem ouvir a Duliserra ou Vitor Raposo, mas não conseguiu contactá-los. Os telefones das sedes daquelas e de outras empresas de Vitor Raposo ou estão desactivados, ou as empresas já não funciona nesses locais.

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