Clima em fuga e cidades inteligentes

O clima global está a mudar. A alteração projetada é tal que há poucos dias se publicou na revista Nature o conceito de ‘desaparecimento do clima’, efeito que se verifica quando, para um determinado local, as condições climáticas médias permanecem fora dos limites de variabilidade histórica (1860-2005).

De acordo com este estudo, a Terra poderá ver o seu clima ‘desaparecer’ em 2047. As evidências desta eminente ‘desaparição’ acumulam-se. Por exemplo, a última década foi globalmente a mais quente desde que a recolha sistemática de dados climáticos se iniciou (no século XIX).

Portugal deve preparar-se para sentir as alterações climáticas na pele. Projeta-se que a região mediterrânica seja uma das mais afetadas do mundo. Vários estudos coincidem em afirmar que esta região será mais seca (menos 25 a 30% de precipitação), mais quente (4 a 5ºC) e sofrerá com maior recorrência fenómenos mais extremos (ondas de calor e episódios de chuvas torrenciais).

É unânime entre investigadores e do conhecimento público que o grande responsável pelo ‘desaparecimento do clima’ é o dióxido de carbono (CO2) e gases equiparados, um abundante subproduto do metabolismo urbano cuja concentração atmosférica na atualidade é a mais elevada que se conhece na história (pelo menos dos últimos 800.000 anos). E por isso a sua redução, mitigação e captura é hoje em dia uma prioridade nos planos de ação sobre as alterações climáticas.

Mas o que parece ficar esquecido é que as consequências das alterações climáticas vão persistir por séculos mesmo que – numa conduta muito improvável – se cessasse de imediato as emissões de CO2. Não basta portanto reduzir emissões e armazenar carbono, é também preciso criar condições para que as nossas cidades se adaptem a esse ambiente projetado e de algum modo já experimentado. E é nesse cenário que as árvores e as florestas urbanas – conjunto de todos os bosques, parques e outras áreas verdes na proximidade de uma área urbana – encaixam como uma das poucas peças que já sabemos como e onde colocar no puzzle do processo de adaptação. Uma cidade inteligente planta árvores, idealmente nativas, e cria e conserva as suas florestas urbanas.

Estas discretas e poderosas infraestruturas verdes proporcionam serviços essenciais para a adaptação das cidades às alterações climáticas, entre os quais se destacam a regulação da água no solo após um episódio de chuva intensa ou a redução da temperatura média ao nível do solo. Existem igualmente incontáveis evidências sobre os benefícios das florestas urbanas para a saúde física e psicológica dos cidadãos, para o equilíbrio social e mesmo para a competitividade das cidades (as urbes com mais infraestruturas verdes atraem mais talento, inovação, investimento e visitantes).

Voltemos ao exemplo da regulação hídrica. Após uma chuvada, e na falta de florestas urbanas, a água de escorrência sobrecarrega o sistema de saneamento (90% da água entra nos primeiros dez minutos). Quando existem árvores, uma proporção significativa dessa água é intercetada nas folhas, ramos e tronco e escorre e infiltra-se mais lentamente nos sistemas de drenagem e solo. A proporção da água de escorrência não ultrapassa assim um quarto da precipitação total, reduzindo riscos de sobrecarga, inundações, erosão do solo e consequentes custos. Este mesmo fenómeno permite recarregar lençóis de água subterrânea, armazenando água para períodos de carência. É uma biotecnologia natural de elevadíssima eficácia.

Quanto à temperatura, no período estival as florestas urbanas garantem sombra e ar fresco (pela evapotranspiração), o que torna o ambiente urbano mais habitável para as pessoas ao mesmo tempo que reduz o efeito de ilha de calor nas cidades. Numa cidade com uma boa infraestrutura verde a temperatura ao nível do solo é 2 a 4ºC mais baixa do que nas restantes. Aqui as árvores funcionam como ‘três em um’: amenizam diretamente a temperatura, bem como permitem reduzir o consumo de energia (ar condicionado, ventoinhas) e a consequente emissão de mais gases com efeito de estufa.

É por estas e por outras que na Área Metropolitana do Porto se trabalha intensamente no FUTURO – projeto das 100.000 árvores. É um projeto de gestão colaborativa entre a universidade, as autarquias, as empresas, as associações e os cidadãos e tem como objetivo restaurar e cuidar de bolsas de floresta urbana com espécies de árvores e arbustos nativos. Plantaram-se já cerca de 25.000 árvores – em mais de 10.000 horas de trabalho voluntário de cidadãos da região e com o profundo envolvimento das equipas de sapadores florestais, entidades competentes e especialistas na área –, o que se traduz num benefício aproximado para a região de quase de um milhão de euros por ano – e isto apenas em serviços de regulação hídrica.

Uma cidade inteligente sabe que tem que se adaptar ou aquecer. E não tenhamos ilusões: o que vier a acontecer depende das decisões dos políticos locais mas igualmente da vontade dos seus cidadãos. Está na altura de redescobrirmos as árvores.

Investigadora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, http://embaixadadafloresta.blogspot.pt . A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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