Quando a China acordar, o futebol mundial tremerá

Contratos publicitários de valores nunca vistos, uma transferência recorde para o futebol chinês e o plano para pôr os bebés a treinar

Foto
O ex-Cruzeiro Ricardo Goulart tornou-se no jogador mais caro da história do futebol chinês Washington Alves/Reuters

A frase foi dita há quase dois séculos, mas continua a ser citada em análises económicas e geopolíticas: “Quando a China acordar, o mundo tremerá”. Uma afirmação de Napoleão Bonaparte que também pode ser aplicada ao futebol: quando a nação mais populosa do planeta (1355 milhões de habitantes) reclamar o seu lugar na hierarquia mundial, ninguém ficará indiferente. E isso está cada vez mais perto de ser uma realidade.

Os sinais têm vindo a multiplicar-se. Desde o recorde estabelecido pelo Guangzhou Evergrande com a contratação do brasileiro Ricardo Goulart ao desempenho da selecção chinesa na Taça Asiática, passando pela ambiciosa reforma com a qual o Governo pretende tornar o desporto-rei numa “paixão ardente” de todo o país. O futebol chinês respira saúde, como se percebe pelos contratos de publicidade que o campeonato local consegue atrair. Não só “roubou” à UEFA o patrocínio da Ford – a construtora automóvel americana era parceira para a Liga dos Campeões desde 1992-93, mas através da sua joint venture asiática Changan Ford Mazda associou-se à Liga chinesa por quatro anos, num acordo de valor estimado em 390 milhões de yuan (55,5 milhões de euros) – como conseguiu rever em alta os contratos em vigor: o valor do naming da competição mais do que duplicou, passando de 65 milhões de yuan (9,2 milhões de euros) para 150 milhões de yuan (21,3 milhões de euros) por ano.

O Guangzhou Evergrande, tetracampeão em título, ajudou muito a esta valorização com a conquista da Liga dos Campeões asiáticos em 2013. E ganhou margem de manobra para estabelecer um recorde histórico no futebol chinês, ao contratar a promessa brasileira Ricardo Goulart ao Cruzeiro por 15 milhões de euros (o investimento já começou a render juros, com Goulart a fazer o golo da vitória sobre o FC Seul na primeira jornada da fase de grupos da Champions). Aliás, os dados do portal especializado Transfermarkt indicam que os clubes chineses só ficaram atrás dos ingleses no que diz respeito aos gastos com reforços no mais recente período de transferências internacionais. Entre os jogadores que rumaram a Oriente está o avançado venezuelano Mario Rondón, que trocou o Nacional da Madeira pelo Shijiazhuang Ever Bright.

A grande frustração chinesa continua a ser o Mundial. A única presença na fase final aconteceu em 2002, com o saldo nada famoso de três derrotas, zero golos marcados e nove sofridos. Mas também a esse nível as coisas começam a mudar: o francês Alain Perrin levou a selecção chinesa aos quartos-de-final da Taça Asiática (caiu por 0-2 frente à anfitriã Austrália, que se sagraria campeã), naquela que foi a primeira vez em 11 anos em que a China ultrapassou a fase de grupos.

O objectivo é continuar a crescer, apontou o presidente Xi Jinping no dia em que o Governo aprovou o plano de reforma do futebol chinês. “Temos de revitalizar o futebol para garantir que seremos uma nação desportivamente forte”, lia-se no comunicado citado pela agência oficial Xinhua, em que se sublinhava a necessidade de “agarrar a oportunidade de desenvolvimento desde bebés”. Logo desde pequeninos, para cumprir os três sonhos de Xi Jinping: qualificar a China para mais um Mundial, organizar um Mundial na China e... vencer um Mundial.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

Sugerir correcção
Ler 2 comentários