Sérvia-Albânia, o jogo em que todos perderam

Incidente com um drone durante a partida em Belgrado reforçou a tensão entre os dois vizinhos. UEFA diz que não havia razão para separar as duas equipas no sorteio e abriu inquéritos disciplinares

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A confusão no relvado entre sérvios e albaneses /Marko Djurica/Reuters

A primeira parte do Sérvia-Albânia nem sequer chegou ao fim, com o jogo a ser interrompido e posteriormente abandonado devido a incidentes dentro e fora do relvado, mas as duas partes sofreram uma estrondosa derrota. Na obsessão de ajustar contas com a história, a tensão acumulada durante anos e anos transbordou em Belgrado. Independentemente do que venha a ser decidido pela UEFA e dos castigos aplicados a cada federação, independentemente das consequências dos incidentes nas contas do apuramento para o Euro 2016, todos perderam.

Na primeira visita da selecção da Albânia a Belgrado desde 1967, seria de esperar que o ambiente aquecesse. Os adeptos albaneses estavam impedidos de viajar, para impedir que a situação fugisse ao controlo, e não seria de prever mais do que provocações ou insultos. Só que, mesmo fora do estádio, alguém encontro forma de incendiar o ambiente: o intervalo aproximava-se quando um drone, que segundo informações da polícia sérvia citada pela Associated Press terá sido lançado a partir de uma igreja perto do estádio, sobrevoou o relvado com um estandarte da denominada “Grande Albânia”, um projecto nacionalista que reunisse as comunidades albanesas em toda a região balcânica (ver texto nesta página). Um futebolista sérvio puxou-o para o chão, foi empurrado por um adversário, e num estalar de dedos já havia adeptos no relvado, a arremessar cadeiras de plástico contra os jogadores albaneses, que correram para os balneários debaixo de uma chuva de projécteis.

O jogo não seria retomado. “As circunstâncias eram de tal ordem que não podíamos continuar com a partida”, justificou o delegado ao jogo da UEFA, Harry Been, acrescentando que os incidentes constariam do seu relatório. Ao final da tarde de ontem, o organismo que tutela o futebol europeu anunciou a abertura de inquéritos disciplinares às duas federações: “À Federação Sérvia de Futebol por ateamento/arremesso de fogos e artefactos pirotécnicos, distúrbios causados pelo público, invasão de campo por adeptos, organização insuficiente e uso de caneta apontadora de laser. Foram também instaurados inquéritos disciplinares à Federação Albanesa de Futebol por recusar-se a jogar e pela exibição ilícita de uma bandeira. O caso será analisado na reunião do Órgão de Controlo, Ética e Disciplina da UEFA marcada para 23 de Outubro”, podia ler-se no comunicado.

Por razões de segurança, a UEFA impediu que os visitantes tivessem público no recinto. Os adeptos albaneses que tentassem entrar no estádio seriam detidos. Mas, apesar de ter consciência do carácter problemático da partida, a UEFA não introduziu qualquer condicionante no sorteio dos grupos de qualificação para o Euro 2016 para evitar que Sérvia e Albânia se defrontassem, ainda que existissem noutros casos: “Por razões políticas, o Azerbaijão não pode calhar com a Arménia e a Espanha não pode jogar contra Gibraltar”, divulgou na altura o organismo que tutela o futebol europeu. Um porta-voz da UEFA, citado pelo diário britânico The Guardian, defendia a decisão: “Não havia razão clara para separar as duas equipas.”

Os acontecimentos de terça-feira mostraram que não era tanto assim. “Os incidentes do Sérvia-Albânia não são apenas vergonhosos. Imagine-se que havia uma bomba no drone – isto torna-se perigoso, especialmente nestes países, porque há muita tensão política”, afirmou o presidente da UEFA, Michel Platini, na televisão francesa TF1.

Entre Sérvia e Albânia voaram as acusações. “Se um sérvio exibisse uma bandeira da ‘Grande Sérvia’ em Tirana ou Pristina [capitais da Albânia e Kosovo], isso seria assunto para o Conselho de Segurança da ONU”, apontou o ministro sérvio dos Negócios Estrangeiros, Ivica Dacic, lamentando a “provocação política”. A Federação sérvia descreveu o incidente como “uma bem planeada manobra de diversão política”. “Concluir-se-á que foi a única e principal razão para que o jogo fosse abandonado”, acrescentava em comunicado.

“Lamentamos que as autoridades sérvias não tenham tido a coragem de distanciar-se dos actos de violência e ódio expressos abertamente contra os nossos símbolos nacionais”, sublinhou por seu lado o ministro albanês dos Negócios Estrangeiros, Ditmir Bushati. Inicialmente acusado pela televisão pública sérvia de ter sido o piloto do drone, o irmão do primeiro-ministro albanês desmentiu essa teoria: “Nunca usei um drone na vida”, disse Olsi Rama à chegada a Tirana. A UEFA apurará responsabilidades, mas o caso do drone vai dominar a actualidade até porque o primeiro-ministro Edi Rama tem marcada uma visita à Sérvia para a próxima semana, a primeira de um líder albanês em quase 70 anos.

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