Mesmo em crise, ciência e economia mostram dificuldades de aproximação

De um lado, o economista Daniel Bessa, do outro o físico Pedro Echenique: duas visões diferentes do papel do conhecimento científico na sociedade na conferência Ciência, Economia e Crise, no Porto.

Foto
Paulo Pimenta

Aparentemente, todos concordam que a saída para as dificuldades vividas em Portugal e na Europa pode estar na transmissão do conhecimento científico para o tecido empresarial. Mas na hora de debater o papel que cabe a cada um dos lados desta relação, são mais as diferenças do que as semelhanças. Um físico e um economista foram os intérpretes destas posições contrárias na conferência Ciência, Economia e Crise, que decorreu esta sexta-feira à tarde no Porto.

“Temos visões diferentes”, enfatizou o economista e presidente da COTEC, Daniel Bessa. O também professor da Universidade do Porto admite que cientistas e economistas estejam “em momentos diferentes do processo de criação de valor”, mas é contundente na ideia de que o conhecimento científico “ou se transforma em emprego e salários” ou então não tem resultados práticos.

O presidente da COTEC reconhece que Portugal progrediu consideravelmente no que toca ao investimento em ciência e aos seus principais indicadores, mas a “porca torce o rabo” quando se avaliam os efeitos económicos “puros e duros” dessa aposta. Nesse contexto, Daniel Bessa apontou fortes críticas às universidades portuguesas, que acusa de terem um défice de abertura e de informação sobre os efeitos do conhecimento por si produzidos.

Bessa aproveitou a ocasião para se referir à recente tomada de posição dos reitores das universidades públicas que cortaram relações com o Governo devido ao corte no financiamento previsto para o próximo ano: “Antes de cuidar de ter mais dinheiro, os reitores devem tirar mais daquele que gastam.”

Antes, o físico da Universidade do País Basco Pedro Echenique tinha recusado os “excessos de utilitarismo” das universidades e fez a defesa da ciência fundamental (ou não aplicada). “Especializar as universidades é um erro profundo”, afirmou. Mesmo perante a crescente necessidade de especialistas, há um núcleo básico de conhecimento que tem que ser assegurado, para permitir a adequação às possíveis mudanças do futuro, defendeu.

De resto, Echenique defende que a aposta na investigação fundamental é a melhor saída para países pequenos como Portugal, porque os torna menos dependente e facilita a chegada desse conhecimento a outros investigadores e às próprias empresas. O cientista basco deu o exemplo dos Estados Unidos, onde foram as grandes empresas as primeiras a defender a investigação fundamental quando em 1995 assinaram a carta “Um momento da verdade para a América”, pedindo ao governo que não cortasse esse investimento, conscientes da sua importância.

Bessa e Echenique foram dois dos intervenientes da conferência Ciência, Economia e Crise, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos organizou esta sexta-feira na reitoria da Universidade do Porto. Coordenada pelo físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, a conferência teve também como orador o investigador Manuel Sobrinho Simões, director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup).
 
 

Sugerir correcção
Comentar