Charles Michel na senda belicista do Império Romano

Depois do eventual braseiro nuclear na Europa será melhor ficar a China e os EUA a negociarem a “divisão” do mundo ou em guerra? Que falem os que estão calados.

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A expressão latina se vis pacem, para bellum (se queres paz, prepara-te para a guerra) vale como imagem de marca do Império Romano na busca do domínio dos povos que foi submetendo por via da superioridade militar das suas legiões.

O seu poderio militar era de tal monta que intimidava e subjugava os povos recalcitrantes.

O Império Romano, como todos, aliás, acabou por cair. O visigodo, Alarico I, tomou Roma e saqueou-a em 410.

Os impérios europeus para impor a “paz” aos povos colonizados preparavam-se para a guerra. Escravizaram, assassinaram, destruíram, subjugaram. Foi o que se viu.

Como escreveu o centenário Edgar Morin, a Europa é "o maior agressor dos tempos modernos, o que ainda hoje é ocultado à consciência dos europeus" (Pensar a Europa, Edições Europa-América).

Preparar a paz com a preparação para a guerra foi sempre o escudo protetor dos inimigos da paz e da cooperação entre os povos e os países. Na verdade, se queremos paz, preparamo-nos para a paz e não para a guerra.

O texto de Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, publicado no PÚBLICO de 18/3/24, explana com veemência os motivos pelos quais a Europa deve embarcar com toda a força no comboio da guerra para alcançar a paz.

A Europa é mais do que a UE. Foi forjada por muitos diálogos, por muitas guerras e grandes sangrias entre cristãos e muçulmanos, cristãos e judeus, cristãos e protestantes, burguesia e nobreza, burgueses e operários, liberais e absolutistas, democratas e fascistas e outros totalitaristas. A nossa História não é só feita de coisas fantástica, há horrores diabólicos.

Após a implosão da URSS surgiu a grande oportunidade de a Europa se pacificar e assumir a sua grandeza civilizacional e engendrar algo novo. Mas sucedeu que a velha Europa, já sem medo do comunismo e de certa forma da própria social-democracia, deixou-se ir na onda neoliberal e na vassalagem aos velhos descendentes de europeus que mandam nos EUA.

Desaparecido o Pacto de Varsóvia e o perigo comunista, a NATO não se dissolveu e, apesar das promessas solenes de que não se alargaria para os ex-países socialistas, integrou-os a todos na sua máquina militar e ao longo da fronteira da Rússia.

Repare-se: os EUA, com John Kennedy na Presidência, ameaçaram com armas nucleares a URSS por ela ter instalado armas nucleares em Cuba. Não se tratava de Cuba integrar o Pacto de Varsóvia… A Ucrânia na lógica dos EUA/NATO/UE pode integrar a NATO e a fronteira da Rússia passar a ser com os 32 países da Aliança.

Depois o Ocidente prometeu tudo à Ucrânia as long as it takes… Os EUA, face ao descalabro militar da contraofensiva ucraniana, começaram a desligar… A Europa, a UE, entenda-se, onde se trava a guerra não desliga, tal é a cega obstinação.

Alegam que, se desligam, os russos, os que nem frigoríficos haviam de ter pois precisavam dos chips para o armamento ( Ursula dixit), os que não tinham rações de combate, nem botas, os que não aguentariam as sanções, vão tomar a Europa. Os novos visigodos.

Pensemos um bocadinho. O único que disse que não negociava foi Zelensky. Porque não se pode negociar agora: a paz na Ucrânia, a segurança na Europa e no mundo, as relações entre a NATO e a Rússia, as relações entre a Rússia e os vizinhos. Porque não? Em Istambul, um mês depois do início da guerra, havia acordo. Por que motivo Boris Johnson a mando dos EUA foi aconselhar/pressionar Zelensky para rasgar o acordo porque lhe dariam o tal apoio as long as it takes para derrotar os russos? Os EUA estavam dispostos a lutar contra a Rússia até ao último ucraniano, e agora até ao último ucraniano e ao último europeu. E segue a guerra.

Pensemos mais um bocadinho: então a ex-chancelerina Merkl, o ex-presidente Hollande, o ex-presidente Poroschenko negociaram com a Rússia e agora os seus substitutos não podem negociar, porquê?

É melhor negociar ou ir para a guerra? Já perguntaram aos jovens se querem ir morrer porque o sr. Scholtz, o sr. Macron, o sr. Sunak, a sra. Ursula, o sr. Michel e o sr. "jardineiro", de nome Josep Borrel, prometeram meter-nos em guerra num conflito enquanto não derrotarem a Rússia e a desmembrarem?

Depois do eventual braseiro nuclear na Europa será melhor ficar a China e os EUA a negociarem a “divisão” do mundo ou em guerra? Que falem os que estão calados.

Faltam aos dirigentes da UE mulheres e homens corajosos que enfrentem os diferentes e contraditórios interesses e que livrem o continente da guerra, negociando uma paz o mais justa possível. Prepare-se então a paz, e não a guerra.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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