A ameaça é real. Em Bruxelas há já vários anos, a jornalista Rita Siza conhece bem os corredores e cantos da casa e esta semana escreveu sobre um trabalho do European Council on Foreign Relations que estima qual a composição do Parlamento Europeu após as eleições de Junho.

Quem, segundo esta projecção, pode ganhar espaço? "A representatividade da direita radical e extrema-direita ascenderá aos 25% dos eleitos para o Parlamento Europeu, que poderão formar uma nova coligação 'antiacção climática'". Como assim? Neste momento, não agir, não fazer nada é um atestado de ignorância. Estamos perante uma possibilidade perigosa que não podemos ignorar. Como é que, depois das marcas tão recentes de 2023, alguém quer unir esforços para não agir sobre a crise climática?

O texto do PÚBLICO nota que que "a grande coligação "europeísta" que sustenta politicamente o executivo comunitário e garante os votos para aprovar os dossiers prioritários da agenda de Bruxelas — entre os quais o apoio à Ucrânia, o alargamento da União Europeia, o combate às alterações climáticas e a dupla transição verde e digital — vai reduzir-se dos actuais 60% para pouco mais de metade dos lugares no PE". Mau princípio.

A cumprir-se, a alteração drástica no equilíbrio de forças no Parlamento Europeu trará consequências. Na resposta à crise climática a viragem pode traduzir-se num perigoso retrocesso. Um cenário destes "prejudicaria significativamente o quadro do Pacto Ecológico Europeu e a adopção e aplicação de políticas comuns para cumprir os objectivos de emissões líquidas nulas da UE", exemplifica o estudo.

Nos últimos meses já vimos a Europa tropeçar, desperdiçando oportunidades com a aprovação de propostas pouco corajosas. Um exemplo? A Lei do Restauro da Natureza. Muitas leis ambientais depararam-se com a resistência de governos, legisladores e indústrias preocupados com os custos e a burocracia de uma mudança que sabemos que é inevitável. Mas, pior do que um passo lento seria andar para trás.

O ano de 2024 é de eleições. "É o maior ano eleitoral do mundo. A democracia é boa para as alterações climáticas?", lê-se numa análise publicada há poucos dias na revista Time. E o texto é claro: em todas as eleições de 2024, e mais do que nunca, "as alterações climáticas estão inevitavelmente no boletim de voto".

Desde a corrida para o Parlamento Europeu [onde o Chega pode vir a fazer a sua estreia e vir a ocupar um espaço entre os portugueses eleitos] até à luta entre republicanos e democratas nos EUA (com a sombra do regresso de Donald Trump), passando e destacando as legislativas que nos esperam a 10 de Março em Portugal. Será um ano decisivo para o rumo do planeta, para a resposta à crise climática.

A crise climática é uma prioridade política. E deve ser uma prioridade económica. Um Inquérito do Fórum Económico Mundial sobre a percepção dos principais riscos globais divulgado dias antes da importante reunião em Davos, que decorreu entre 15 e 19 de Janeiro, alertava para as "perspectivas sombrias" que o mundo enfrenta hoje. O clima, a inteligência artificial, conflitos e divisões na política são as maiores ameaças ao progresso global, resumiram os autores do trabalho.

A mera hipótese de vermos nascer na Europa um bloco da direita unida numa "coligação antiacção climática" não pode ser desvalorizada. Sobretudo quando percebemos que os grupos de negacionistas estão a escapar aos filtros de notícias falsas nas redes sociais mudando de estratégia e, em vez de negar as alterações climáticas, optam agora por passar a mensagem de que não há soluções viáveis e, por isso, não há nada a fazer. A inacção também é a resposta destes.

Deixando (para já) de lado o polémico debate sobre se a acção climática é uma prioridade de direita ou esquerda no espectro político (embora muitos tenham uma resposta óbvia para esta questão), há algo que todos temos de concordar: a crise climática é uma questão da ciência. Mas a acção é pura política.

A política tem tudo que ver com o clima. A economia tem tudo que ver com o clima. O nosso futuro depende do que fizermos nos próximos anos para responder à crise climática. Com acção, adaptação e mitigação. E esse destino, insisto, também se decide num boletim de voto. Em qualquer parte do mundo.