Na semana passada assisti, no Porto, a um debate sobre trânsito na cidade. Faço, desde já, a minha declaração de interesses dado que o encontro "Para quando menos carros?" foi organizado pela associação Zero e pelo PÚBLICO. O debate ocorreu em plena hora de ponta, pelas 17h30, e por coincidência ou puro azar aconteceu num dia que tinha começado particularmente caótico no tráfego na cidade e arreadores.

É a conversar que a gente se entende, mas nem sempre é a conversar que um problema se resolve. E o que mais uma vez ficou claro para mim é que (como em tantos outros assuntos) somos óptimos a fazer diagnóstico, mas péssimos na terapêutica.

Poupo-vos alguns dos pormenores de uma conversa muito batida. Temos carros a mais nas cidades, ruas que privilegiam os carros em vez dos peões ou de outras mobilidades com menor impacto ambiental, temos uma rede de transportes que, onde não é frágil, é fragilizada pelo próprio trânsito automóvel, tornando-se muito pouco atractiva para os cidadãos que querem chegar a tempo e horas aos seus destinos.

Soluções? Devemos fechar algumas zonas no centro das cidades ao trânsito, será que devemos começar a taxar a entrada de veículos na cidade? Mais importante ainda: será que podemos mesmo avançar para alguma destas medidas sem termos uma alternativa razoável e funcional para oferecer às pessoas? De acordo com o mais recente inquérito sobre mobilidade (que é de 2017!), mais de 40% das pessoas na região do Porto disseram escolher o carro para se deslocar. Porém, é impossível dizer com precisão quantas destas pessoas têm de facto uma alternativa razoável à disposição.

Na sala da Casa Comum no Porto, entre a audiência parca, mas interessada, tínhamos duas pessoas que vieram de outras cidades, noutros países, onde usavam a bicicleta para se deslocar no seu dia-a-dia e que, chegados ao Porto com filhos e cadilhos, decidiram… comprar um carro.

Nos dois painéis de conversa sobre o trânsito centrados no Porto, uma cidade virada do avesso com as entranhas à mostra precisamente em nome da melhoria da mobilidade, Jorge Morgado, director do gabinete de comunicação da Metro do Porto, justificou que estão a ser feitos investimentos consideráveis no que chama de "Metro 2.0". A junção de novas linhas de metro "metrobus" irão, segundo o responsável da Metro do Porto, retirar "34.360 automóveis das ruas do Porto até 2026". A ver vamos.

O urbanista Daniel Casas-Valle sublinhou a importância de "reduzir o espaço dos carros na cidade". A construção de ciclovias, conjugada com o aumento da largura dos passeios, tiraria "espaço aos carros" devolvendo a via pública aos peões. Teresa Stanislau, do Conselho de Gerência da STCP Serviços, defendeu que "o carro não é o inimigo, mas deve ser utilizado com parcimónia", concordando que o desafio é difícil dado que as redes de transporte público não se encontram ajustadas às necessidades da população e que existe pouca coordenação entre entidades.

O investigador Álvaro Costa, do Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente, esclareceu que o trânsito no Porto se deve não apenas à falta de oferta de transportes públicos na metrópole, mas também à degradação das redes de transporte nos concelhos periféricos. Será a rede Unir, que entrará em funcionamento em Dezembro, a solução para este outro problema?

Dois dias depois do debate sobre o trânsito no Porto, Camilo Soldado partilhava com os nossos leitores o resultado de um estudo que concluía que, mesmo que a viagem seja mais longa de transportes públicos, a maioria dos condutores da área metropolitana de Lisboa estaria disponível a trocar o carro por transportes públicos. Mas o desconto teria de ser significativo (de 89%) caso a viagem demorasse mais 10 minutos em transportes que de veículo privado, mostrava o estudo realizado para a Área Metropolitana de Lisboa pela consultora espanhola Factual.

Assim, resumia Camilo Soldado, "à medida que o tempo de viagem diminui, o desconto necessário para que o condutor aceite trocar de modo de deslocação também" baixa. Lá está, a alternativa ao carro não se pode dar ao luxo de nos fazer perder tempo.

No dia seguinte, o mesmo jornalista do PÚBLICO volta a escrever sobre trânsito, desta vez, a partir de Barcelona para nos contar que: "Londres taxa o congestionamento há 20 anos. Milão há dez. Trânsito caiu". Em Barcelona no Tomorrow Mobility World Congress, Camilo Soldado ouviu, por exemplo, a CEO do EIT Urban Mobility (uma iniciativa do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia), Maria Tsavachidis. A responsável defende que, na mobilidade do futuro, os carros continuarão a fazer parte da equação, embora tenham de ser necessariamente eléctricos e o seu papel tenha de mudar. "Precisaremos de todos os modos, mas é necessário definir prioridades", disse. E referiu que os transportes de grande capacidade, como autocarros e sistemas de metro, são "a espinha dorsal da transição verde".

Dia 11 de Novembro, Camilo Soldado insiste. Agora para partilhar uma conversa que teve com Frederico Moura e Sá, professor de urbanismo na Universidade de Aveiro. E de novo se retoma o tema das taxas. Taxar o congestionamento? "É preciso combinar estratégias de atracção com as de dissuasão".

Esta semana, no debate da Zero e do Público com o mesmo tema "Para quando sem carros?", mas em Lisboa, Samuel Alemão sacou uma notícia. E escreveu: a Câmara Municipal de Lisboa (CML) vai avançar, nos próximos meses, com um concurso público internacional para a contratação de um sistema de videovigilância que permita controlar os automóveis que entram na zona central da cidade. A medida, dependente ainda da autorização definitiva da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), permitirá assim à autarquia da capital pôr, finalmente, em prática as restrições à circulação dos veículos mais poluentes na área central, tal como definidas pelas Zonas de Emissões Reduzidas (ZER).

Passo à frente a óbvia questão de não existir uma solução única para este problema complexo do trânsito nas cidades e fora delas que envolve toda uma rede de medidas que devem ser comprovadamente eficazes (ou, pelo menos, estudadas e avaliadas) em diferentes contextos. Detenho-me na insistência sobre as taxas. Será que a mudança deve começar com o castigo? Como condutora (e, já agora, como mãe), não apoio esta estratégia, a minha experiência diz que não costuma dar bons resultados. Prefiro pensar primeiro em incentivos e na oferta de verdadeiras alternativas para mudar comportamentos, só depois abrir a porta para penalizar quem nem sequer equaciona a transição.

Abro, no entanto, uma excepção que, aliás, foi abordada no debate que a Zero e o PÚBLICO promoveram no Porto. Esqueçam os incentivos e alternativas para todos os que se socorrem do famoso "são só cinco minutos". Multas em cima deles, sem misericórdia. Para os que estacionam em segunda fila com os quatro piscas ligados para ter o carro à porta do café, para os que invadem o passeio para ir à papelaria ali ao lado fazer o euromilhões, mesmo ali na horinha de ponta, para os que se arrumam na faixa de bus, para os que estão ao volante de um carro e não contentes com o espaço que têm nas cidades ainda roubam o espaço dos que passam na rua. Temos de começar por algum lado. Por mim, começávamos já por aqui. Castigar, sem dó nem piedade, todo os "são só cinco minutos" em qualquer cidade. Não é a solução para o trânsito, longe disso, mas seria um bom começo.