FCT-Tenure: um tiro (muito) ao lado

O critério mais importante não será a existência de candidatos com elevado mérito, mas a capacidade financeira das instituições em assegurar os 50% de salário.

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Acaba de ser publicada uma notícia revelando detalhes preocupantes sobre o novo programa que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) vai lançar já em julho, o FCT Tenure. Se, do lado muito positivo, este programa revela que a FCT (finalmente) reconhece publicamente a necessidade de pôr um fim ao abusivo (e ilegal) recurso ao trabalho precário da grande maioria dos investigadores a trabalhar em Portugal, a solução apresentada representa um enorme retrocesso dos apoios que existiam em 2022.

É importante recordar que até final do ano passado, o concurso CEEC institucional [Concurso de Estímulo ao Emprego Científico] financiava a 100% contratos de trabalho de investigadores durante seis anos, pelo que regredir para um programa que financia apenas 50% e apenas três anos não é, em nenhuma realidade alternativa, uma boa notícia.

O CEEC institucional tinha, no entanto, um grande defeito, pois se por um lado colocava nas instituições a responsabilidade de selecionar os candidatos, permitia que os contratos fossem temporários, ou de carreira. No entanto, como já argumentei, enquanto não houver reconhecimento, por parte do Governo, que a atividade de investigação é central das universidades, e enquanto não se passar a incluir uma verba específica para financiar a atividade de investigação, no Orçamento do Estado para as instituições do ensino superior, o problema da precariedade nunca se resolverá, sendo que a maior parte das posições abertas nos CEEC institucionais foram para contratos temporários.

Curiosamente, a nova definição do Espaço Europeu de Investigação, reconhece que será necessário alterar o paradigma do financiamento da atividade de investigação, com um reforço de financiamento base, não competitivo, que permita dar alguma estabilidade às infraestruturas de investigação.

Voltando ao FCT-Tenure, a 13 de janeiro de 2023, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior reuniu-se com o Conselho dos Laboratórios Associados, onde foi apresentado, pela presidente da FCT, a previsão de evolução dos concursos CEEC. Nessa reunião de trabalho, ficámos a conhecer a intenção da FCT de restringir o próximo concurso CEEC individual às duas posições iniciais (contratos temporários de Investigador júnior e Investigador Auxiliar), enquanto o CEEC institucional seria exclusivamente para contratos de carreira.

Fiquei bastante satisfeito, pois não apenas esta intenção ia ao encontro da proposta que a ANICT tinha feito em junho de 2020, como era um sinal claro de que a FCT estava a tentar dar uma solução ao problema do excesso da precariedade dos investigadores, em Portugal.

É assim um bocado difícil de perceber como se passa de uma intenção francamente positiva, para um programa que, não só é claramente pior, como tem a singela característica de ir contribuir para um grande agravamento de desigualdades dentro das instituições de ensino superior. Estou-me a referir ao incumprimento da lei de financiamento do ensino superior, como denunciado por três reitores, e bem explicado numa notícia publicada a 3 de junho de 2022. A própria ministra já tinha afirmado como necessário rever a forma como se está a financiar o ensino superior, reconhecendo a existência de claras injustiças da forma como se está a financiar as diferentes instituições, numa audição parlamentar a 4 de maio de 2022. Devido à não aplicação da fórmula de financiamento do ensino superior por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), a Universidade do Minho é a principal prejudicada com um défice de 17,2 milhões de euros em 2023, seguido da Universidade Nova de Lisboa com 16,4 milhões de euros, da Universidade da Beira Interior com 9,1 milhões de euros e do ISCTE com 8,9 milhões de euros (dados atualizados a 2023, segundo nota informativa do MCTES às instituições de ensino superior, a 9 de agosto de 2022).

Portanto, um programa que pretende valorizar o mérito científico está ferido à partida, quando vai criar enormes desigualdades de oportunidade de acesso a este financiamento. O critério mais importante não será a existência de candidatos com elevado mérito, mas a capacidade financeira das instituições em assegurar os 50% de salário. Seguramente as universidades sem défice orçamental (como as Universidades de Coimbra ou Lisboa, entre outras) não terão dificuldade em aproveitar o FCT-Tenure, até porque deixa de haver bonificação à contratação na carreira de investigação (como acontecia no CEEC institucional), mas desconfio que a Universidade do Minho (ou as outras universidades drasticamente subfinanciadas) terão uma enorme dificuldade em apresentar candidaturas, pois se já existem 17,2 milhões de euros que colocam a Universidade do Minho numa difícil situação financeira, não vejo como será possível assegurar o pagamento de 50% do salário destas posições.

O FCT Tenure não é solução de longo prazo, mas até poderia ter pernas para andar (corresponsabilização das instituições), depois de ser corrigida a forma inadmissível como se está a financiar o ensino superior, com claras ilegalidades que prejudicam várias instituições. Caso contrário, estamos perante um agravamento das desigualdades do financiamento do ensino superior, algo não aceitável em democracia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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