Como implementar uma carreira de investigação sustentável sem gastar mais dinheiro público

Embora desconhecendo quem virá a ser o (a) futuro(a) ministro(a) da Ciência, atrever-me-ia a apresentar-lhe a solução para resolver, sem gastar mais dinheiro, o problema da falta de carreira para investigadores doutorados.

Sejamos diretos: com um reforço de verbas do Orçamento do Estado para atividades de investigação é possível fazer mais e melhor, mas quando se fala de estabilidade e qualidade do emprego científico, o que é verdadeiramente urgente é uma mudança de atitude por parte dos nossos líderes (quer a nível nacional – Governo e Assembleia da República, quer a nível local – reitorias e presidências de institutos de investigação).

Vejamos os números: todos os anos, o Orçamento do Estado transfere centenas de milhões de euros para a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Em 2017 (últimos dados disponíveis no site da FCT), 43% dessa verba foi para financiar recursos humanos (contratos ou bolsas de estudo). Embora a FCT não disponibilize publicamente o custo de cada programa, olhando para o número de contratos atribuídos nos últimos anos ao abrigo dos Concursos Estímulo ao Emprego Científico Individual, estimo que, em média, se tenha reservado cerca de 18 milhões de euros para a implementação destes contratos a termo. É seguramente dinheiro bem investido para o país.

Tal como já abordei antes, a FCT não deve, nem quer, gerir carreiras científicas e é importante que o próximo Governo, e em particular o(a) próximo(a) ministro(a) da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, encarem este assunto, não só com seriedade, mas com urgência e com uma visão estratégica global. Ao contrário do que aconteceu no passado, o XXIII Governo Constitucional tem agora a responsabilidade de governar com maioria absoluta, o que lhe permitirá apresentar as necessárias reformas estruturais, que a comunidade científica já, identificou.

Ora, provavelmente o aspeto mais problemático (leia-se, mal planeado e mal-executado) do Decreto-lei 57/2016, foram os contratos abertos no âmbito da norma transitória, que foram bastante criticados pela Associação de Investigadores em Ciência e Tecnologia, porque nos foi evidente que iria causar uma situação tipo bomba-relógio que temos agora de resolver com urgência. Ao tentar regular, em excesso, o processo de conversão de bolsas de investigação de pós-doutoramento em contratos de trabalho, caiu-se no erro de cegamente perpetuar várias posições de investigação que, ao longo dos anos, foram perdendo competitividade e relevância internacional.

Olhando novamente para os números, os cerca de 2303 contratos estabelecidos no âmbito da norma transitória geraram compromissos (contratos de trabalho) na ordem dos 87 milhões de euros, dinheiro esse que (i) é financiado na totalidade pelo orçamento de estado, (ii) é executado na totalidade pelas instituições, (iii) mas é gerido (intermediário) pela FCT. Isto, não faz sentido por várias razões, que passo, muito rapidamente, a explicar.

Primeiro, a FCT é conhecida pelos seus longos tempos processuais, o que implica (neste caso) atrasos no reembolso dos pagamentos dos salários, causando pressão financeira nas instituições de investigação e ensino superior. Numa instituição que não consegue organizar um concurso em quatro meses (como algumas contrapartes europeias) só vejo desvantagens em se adjudicar à FCT a gestão destas verbas, pois aumenta a sua carga burocrática e diminui a sua disponibilidade para implementar outros programas absolutamente essências à ciência nacional.

Segundo, ao não atribuir esses 87 milhões de euros diretamente às instituições, estas não têm capacidade financeira para abrir os necessários lugares de carreira para investigadores. Disto resulta o que já todos conhecemos: concursos para contratos precários com milhares de candidatos que procuraram encontrar uma possibilidade para continuarem a ser investigadores em Portugal. As reduzidíssimas taxas de sucesso destes concursos, levam a um desperdício anual de pelo menos 12 milhões de euros (o necessário para pagar o equivalente a 3903 salários mensais de investigador júnior durante um mês, tempo esse que poderia estar a ser utilizado de forma mais produtiva).

Terceiro, esta política ridícula de obrigar os investigadores com largos anos de experiência a terem de, constantemente, concorrer a estes concursos (que mais parecem sorteios), vai inevitavelmente levar a um PREVPAP 2.0, com claros prejuízos para as instituições, que vão deixar à sorte dos concursos internacionais, a definição das linhas estratégicas de investigação nacional. É que, sejamos claros, qualquer instituição que apoie uma nova candidatura de um atual seu investigador, após seis anos de contrato, não pode depois argumentar que esse investigador não está a desempenhar uma função permanente. Aliás, sejamos francos, nem sequer faz sentido que uma universidade pública apoie uma nova candidatura e, ao mesmo tempo, argumente que não tem interesse estratégico em manter essa linha de investigação, indo contra o estabelecido no artigo 6º da Lei 57/2017.

Perante isto e, embora desconhecendo quem virá a ser o (a) futuro(a) ministro(a) da Ciência, atrever-me-ia a apresentar-lhe a solução para resolver, sem gastar mais dinheiro, o problema da falta de carreira para investigadores doutorados promovendo, ao mesmo tempo, uma avaliação competitiva e premiando o mérito: os 87 milhões de euros que todos os anos são transferidos para a FCT, que depois os reembolsa para as instituições, têm de ser inscritos no Orçamento do Estado de 2023 como transferências diretas para as instituições de ensino superior e investigação, transferindo-se assim a responsabilidade da seleção e avaliação dos investigadores doutorados para quem efetivamente emprega os investigadores. Isto não significa que todos os investigadores da norma transitória ficarão nos quadros, até porque a passagem de investigador júnior para investigador auxiliar irá levar à redução de cerca de 30% das posições. Será (deverá ser) responsabilidade das instituições avaliar e escolher os melhores e será a avaliação contínua que permitirá garantir a sustentabilidade do sistema.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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