IX Congresso dos Advogados Portugueses

Será a 14, 15 e 16 de Julho em Fátima. Há qualquer coisa de irónico na marcação de um evento que promete discutir o futuro da advocacia num local destinado à celebração de milagres.

Apesar de ter passado despercebido na espuma dos dias, o IX Congresso dos Advogados Portugueses foi marcado para os próximos dias 14, 15 e 16 de Julho, em Fátima. Desconhecemos, à data de hoje, se a escolha do local de realização do congresso é simbólica, celebrativa ou meramente casual. Mas a verdade é que há qualquer coisa de irónico na marcação de um evento que promete discutir o futuro da advocacia num local destinado à celebração de milagres.

Essa ironia do destino não tem, aliás, paralelo no passado recente da nossa profissão, observando a quantidade e dificuldade dos trabalhos a que a advocacia, em sentido lato, tem de se dedicar para evitar o descalabro que se adivinha.

Com efeito, no âmbito da advocacia, é necessário, urgente e inadiável discutir as (i) condições profissionais stricto sensu, (ii) sociais e (iii) previdenciais dos advogados, sem rodeios e com apresentação de propostas concretas e viáveis. É com essa perspectiva e nessas três condições que entendo ser dever – imperativo de consciência, diria mais – definir, em cada uma delas, o que se pretende ver discutido, dentro da síntese a que estou adstrito.

(i) Por um lado, e se é verdade que não cabe à Ordem dos Advogados assegurar as condições materiais de exercício da advocacia, cabe-lhe assegurar que os Advogados sejam os únicos a exercê-la!

Impõe-se, então, definir três objectivos imediatos: impedir a consagração das sociedades multidisciplinares; lutar contra a procuradoria ilícita; e pugnar pela revogação de todas as normas que permitem a representação em juízo por não advogados. Mais do que ideias abstractas, estas três questões devem ser vistas como mandatórias da actuação da Ordem dos Advogados. Não só é assim como devem ser colocadas na agenda do dia: o exercício, com permissão legal, de actos próprios da profissão por quem não for advogado é inconstitucional e não pode ser uma realidade!

Mas há mais: (ii) as advogadas e os advogados precisam de assistência na saúde e na doença, com direito a baixas clínicas e comparticipação de despesas e medicamentos nas mesmíssimas condições de todas as profissões da área da Justiça. Cabe à Ordem dos Advogados, em primeira linha, assegurar que os elevados custos que os seus membros suportam para exercer a profissão lhes garantem o acesso às protecções sociais referenciadas, a bem do princípio da igualdade e do respeito pela “dignidade da pessoa humana”. É inaceitável que em 2023 a advocacia portuguesa continue sem um sistema de protecção face às eventualidades justo e igual ao dos demais cidadãos portugueses.

A esta garantia deve aliar-se uma intensa pressão junto do poder político para actualização da tabela remuneratória do patrocínio oficioso: é enxovalhante, não tenhamos medo das palavras, saber que desde 2004 não há qualquer actualização desta tabela!

Na verdade, note-se bem, os advogados que exercem o patrocínio oficioso, cumprindo o dever constitucional do Estado de assegurar protecção jurídica a todos, todos, os cidadãos, convivem com uma tabela remuneratória que cumprirá, em breve, 20 anos, repetimos, para que todos ouçam e faça eco. Só uma Ordem activa na defesa da profissão (e não da “classe”, como alguns pretendem) pode intervir de modo a suster esta situação. É, mais uma vez, o que se impõe.

Por último, mas não menos importante, diga-se que se discute, todos os dias, (iii) o futuro do sistema previdencial das advogadas e advogados portugueses. Assim será, com a seguinte premissa: a nossa Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) transformou-se num “fundo de pensões de mínimos”, tendo os advogados perdido a confiança na sua reforma.

Esta perda de confiança, sabemos bem, será fatal a muito curto prazo, caso não seja invertida a situação. E é possível, haja essa vontade, fazê-lo, seja através de uma reforma profunda da CPAS, seja através, se assim for entendido, da integração no sistema previdencial comum, no respeito pela seguinte condição absoluta: “garantia dos direitos adquiridos e em formação até à data da integração, assegurando-se o pagamento de acordo com as regras estipuladas em cada período de tempo”.

O Estado de direito precisa de advogadas e advogados livres e autónomos, no pleno exercício do seu mandato, sem limites ou amarras que não as da Constituição. É isso que se discutirá ao longo do período que antecede o congresso e é por isso que se torna tão importante a discussão que aqui nos traz – e participação de todos: é o Estado de direito democrático que está em causa nos próximos tempo.

Estejamos atentos. Todos e não só os advogados: a advocacia é a profissão da liberdade.

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