Solmar: "Gosto muito dos azulejos e da escadaria, faz lembrar as dos filmes"

A Cervejaria Solmar, em vias de classificação, está a ter obras que a tutela desconhece. Mas a empresária chinesa que vai explorar o espaço garante que não há motivos para alarme.

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“Vai ser tudo mantido. Está assegurado pelo contrato [de arrendamento] que o que estava é para manter”, garantem os investidores RG Rui Gaudencio

Quando chegou a Portugal, há mais de vinte anos, um dos primeiros sítios que Jin Yun Hua visitou foi a Cervejaria Solmar, em Lisboa. Não sabe o que é que comeu, mas lembra-se de como olhou para todo o lado, deslumbrada com a decoração e a arquitectura. “Fiquei: ‘Oh! Que azulejos!”, conta a empresária. “Naquela altura, eu sonhava: ‘Ah, se eu tivesse um restaurante como este…’”

Era um sonho grande para quem, como ela, acabara de aterrar em Lisboa para se juntar ao marido, que já cá estava há três anos. Na China, de onde é originária, Jin era professora. Por cá, nas duas décadas que entretanto decorreram, abriu várias lojas, tornou-se presidente da Associação Geral das Mulheres Chinesas em Portugal e, recentemente, cumpriu o sonho. Arrendou a Solmar à família galega a quem o restaurante sempre pertenceu e diz querer fazer dele um dos melhores da Europa.

“Vamos ter boa carne, bom peixe e bom marisco”, diz a empresária entusiasmada, apontando a reabertura da Solmar para “antes do Natal”.

Como o PÚBLICO já noticiou, a cervejaria da Rua das Portas de Santo Antão tem estado em obras nas últimas semanas. Este é um dos mais emblemáticos locais da cidade. Não só pela comida, mas sobretudo pela exuberante arquitectura e decoração, desenhadas especificamente para ali. Numa das paredes existe um enorme painel de azulejos criado por Pedro Jorge Pinto. O mobiliário foi idealizado por José Espinho e produzido pelos Móveis Olaio. O projecto de arquitectura tem três assinaturas: Luís Bevilacqua, Francisco Botelho e Luís Curado.

Foi precisamente esta exuberância que levou a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) a abrir um procedimento de classificação patrimonial em Fevereiro do ano passado. O restaurante ainda está em vias de classificação, mas já abrangido pelas mesmas normas que protegem os bens classificados. Entre elas, a obrigação de pedir autorização para fazer obras. O que não aconteceu. “A DGPC desconhece qualquer projecto de intervenção no imóvel”, disse a assessoria de imprensa daquele órgão, que funciona na dependência do Ministério da Cultura. O PÚBLICO procurou perceber se a Câmara Municipal de Lisboa teria sido informada dos trabalhos, mas não obteve resposta.

Ela veio de Nuno Correia Fernandes, que faz parte da sociedade de advogados que representa os donos da Solmar e está a prestar consultoria a Jin Yun Hua. “Não justifica [informar a câmara]. Vai ser tudo mantido. Está assegurado pelo contrato [de arrendamento] que o que estava é para manter”, afirmou.

"Quem não sonha não tem nada"

“Eu gosto muito daquele painel de azulejos e da escadaria, faz lembrar aquelas dos filmes”, diz Jin, antes de imitar uma actriz com um longo vestido a descer por ali abaixo. Por isso, garante, nunca iria mexer em nada. Mas o filho deu-lhe uma grande ajuda, conta. Como chegou a Portugal com sete anos, “tem cultura de português”, conhece bem a zona e a importância de preservar a identidade do espaço. “Gasto muito dinheiro, mas penso que este restaurante tem um futuro muito bom”, considera Jin Yun Hua.

Além da recuperação patrimonial que diz estar a fazer, a empresária mostra-se também empenhada em recuperar a qualidade da gastronomia e, de caminho, o público fiel. E não só. “Portugal tem bons ares, bons peixes e mariscos. Muitos turistas vêm para aproveitar o nosso Portugal e querem saber onde podem comer bom marisco”, explica, dando a entender que esse será um dos públicos-alvo da renovada Solmar.

Ao mesmo tempo que decorrem as obras, a empresária e a família recrutam pessoal para a cozinha e para a sala, tarefa que não se antevê difícil. “Os portugueses são muito simpáticos para os povos estrangeiros. Vocês são uma maravilha”, elogia. E, agora que o sonho de Jin já é quase real, ela não resiste a comentar: “Nós precisamos sonhar! Quem não sonha, não tem nada.”

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