Promotor da torre de Picoas confessa “pecado” de obras ilegais e pede decisão rápida

A confissão foi feita numa visita de deputados da Assembleia Municipal de Lisboa à obra. Cidadãos Por Lisboa e Bloco de Esquerda pedem à câmara “equidade” e uma prova de que “o crime não compensa”.

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Simulação da construção vista da Avenida 5 de Outubro
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A confissão foi feita em pleno estaleiro da torre de 17 andares em Picoas, perante um conjunto de deputados da Assembleia Municipal de Lisboa. Aí, tendo como cenário de fundo as estacas que foram construídas ilegalmente em terreno municipal, o responsável pela obra admitiu o “pecado”, pediu, “com toda a humildade”, que haja uma decisão rápida sobre o assunto e sustentou que ela não deve passar pela inutilização do que já foi feito porque isso seria “estragar dinheiro”.

José Almeida Guerra, que se apresentou como gestor de projecto da obra, falava assim aos deputados municipais da comissão de Finanças, Património e Recursos Humanos e da de Ordenamento do Território, Urbanismo e Reabilitação Urbana, que têm vindo a analisar este processo e que esta quinta-feira realizaram uma visita ao local, por sugestão do PCP.  

Na última sessão da assembleia municipal em que o assunto foi discutido, o vereador do Urbanismo reconheceu que, tal como tinha já sido denunciado pelo BE, o promotor da obra cravou estacas num terreno da câmara e garantiu que seria aberto um processo contra-ordenacional. A desafectação do domínio público desse terreno, com vista à sua posterior cedência ao promotor em questão, foi já proposta e aprovada pela câmara mas carece ainda de aprovação da assembleia municipal.

“O que aqui está feito foi um erro nosso. Assumimos que adiantámos os trabalhos”, admitiu agora Almeida Guerra, reconhecendo ter cometido “um pecado”. “Se acharem que prejudica a cidade curvo-me perante a vossa decisão”, acrescentou o director geral da empresa Rockbuilding, momentos depois de ter apelado aos deputados municipais para que tomassem uma decisão “depressa”, porque a obra está “parada”.

A decisão de que o gestor de projecto fala está nas mãos da assembleia municipal e passa por saber se esta aceitará ou não a proposta da câmara de promover a desafectação do domínio público de duas parcelas de terreno: uma com 168,60 m2 e frente para a Avenida 5 de Outubro e outra com 42,15 m2 e frente para a Avenida Fontes Pereira de Melo. É em torno de última que o debate tem sido feito, uma vez que foi nela que se detectou a realização de trabalhos ilegais.

A alternativa, que o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, já admitiu ser “viável”, passa por o promotor construir uma nova estrutura, no interior do seu lote, para suportar o edifício a construir.  

Em nome do dono da obra, Almeida Guerra mostrou-se contra essa última hipótese, com o argumento de que abandonar as estacas parcialmente já feitas e construir uma nova estrutura seria gastar “dinheiro que não se justifica”. “Se vamos estragar, entre aspas, dinheiro do lado de cá, mais vale aproveitarmos para uma coisa mais útil”, disse, defendendo que seria “melhor aproveitar” a verba que custaria a referida estrutura em “qualquer outra obra que a assembleia municipal entendesse”.

Na visita ao estaleiro, o bloquista Ricardo Robles procurou saber em que momento deste polémico processo é que se percebeu que a construção do edifício implicaria a ultrapassagem dos limites do terreno do privado e quais foram os passos seguintes, mas as respostas que obteve não foram claras. “Não dei a importância que neste momento está em cima da mesa. No fundo eram trocas de bocadinhos. Era sempre o conjunto que se articulava”, respondeu a arquitecta Patrícia Barbas, sublinhando que o promotor vai “dar um triângulo” à Casa Museu dr. Anastácio Gonçalves para que esta possa abrir uma nova entrada do museu.

“As permutas não vêm só por uma vontade. Não são um capricho do projecto”, referiu ainda a arquitecta, que foi, juntamente com Diogo Seixas Lopes, a autora da torre. Aos deputados, Patrícia Barbas destacou ainda que “43% do lote” vai ser “para usufruto público”, considerando que aquilo que aqui se fez não foi apenas “desenhar um edifício”, mas sim “desenhar um pouco da cidade”.

Muito crítica de todo este processo é a posição dos deputados municipais dos Cidadãos Por Lisboa. Na visita à obra, Miguel Graça vincou que a câmara deve tratar “todos os que fazem operações urbanística na cidade” com “equidade” e mostrou-se contra a possibilidade de o promotor avançar para o domínio público municipal. “Era abrirmos uma porta, um caminho que esta assembleia tem que pensar muito bem”, afirmou.

Ao PÚBLICO, Miguel Graça explicou que é essa a posição que os deputados dos Cidadãos Por Lisboa vão defender numa reunião com Manuel Salgado que já está agendada, mas reservou uma “posição final” para depois do encontro. Até lá, o autarca diz que “o promotor deve recuar” para os limites do seu terreno, por acreditar que de outra forma estar-se-ia “a abrir uma caixa de Pandora”.

Já o BE afirma que a câmara tem aqui uma oportunidade para “dar um sinal à cidade de que o crime não compensa”. “Não há nenhuma tentação persecutória, de penalizar só porque o empreiteiro se portou mal”, garante Ricardo Robles, falando antes num “sinal importante” para os promotores, no sentido de estes perceberem que “não vale construir fora dos lotes”.

Nesta visita, Patrícia Barbas transmitiu ainda aos deputados que a solução encontrada para a empena cega com mais de 20 metros que irá ficar à vista na Avenida Fontes Pereira de Melo passa por cobri-la com trepadeiras. 

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