Capacetes azuis da ONU pagaram por sexo com crianças na República Centro-Africana

Novo escândalo de abusos sexuais a envolver pessoas ao seviço das Nações Unidas, sete meses depois de o responsável no país africano ter sido despedido.

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As organizações humanitárias acusam a ONU de estar a esconder a dimensão do problema MARCO LONGARI/AFP

Quatro capacetes azuis das Nações Unidas são acusados de terem pago para ter sexo com crianças de 13 anos de idade num campo de deslocados na República Centro-Africana. Nenhum responsável da ONU divulgou publicamente as nacionalidades dos acusados, mas o jornal Washington Post avança que são soldados de França, do Gabão, de Marrocos e do Burundi.

A acusação de que soldados ao serviço da ONU em vários países africanos violam crianças de ambos os sexos e mulheres em situação de extrema vulnerabilidade – a maioria em fuga de crimes semelhantes e homicídios praticados por grupos extremistas – não é nova, e já foram feitos vários relatórios que identificaram culpados, tanto a pedido das Nações Unidas como por iniciativa de organizações independentes.

Numa declaração forte, em Agosto do ano passado, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, referiu-se aos casos de violação como "um cancro no sistema" da organização, e ameaçou começar a denunciar publicamente os países com soldados e polícias envolvidos em escândalos de violação e outros abusos sexuais.

Um dia antes, Ban Ki-moon tinha despedido o então responsável pela força da ONU na República Centro-Africana, o ex-general senegalês Babacar Gaye – a decisão do secretário-geral foi tomada depois de a Amnistia Internacional ter apresentado várias queixas contra polícias que integravam a missão, incluindo o assassinato de um adolescente e do seu pai e a violação de uma menina de 12 anos.

"Atacam as pessoas que vieram defender"
O caso mais recente foi tornado público na semana passada pela ONU, mas o jornal Washington Post avança agora pormenores: quatro capacetes azuis são acusados de terem pago "entre 50 cêntimos e três dólares" para terem sexo com meninas de 13 anos, exploradas por um grupo de jovens do campo de deslocados de M'Poko, onde vivem actualmente cerca de 20.000 pessoas, a maioria cristãs.

O campo de M'Poko, na capital, Bangui, tem como objectivo proteger pessoas que fogem do cenário de horror que é a República Centro-Africana, mas acaba por representar um terceiro inferno para muitas crianças e mulheres – primeiro, fogem à violência entre as milícias anti-balaka, de maioria cristã, e as forças Séléka, de maioria muçulmana; depois, são violadas no campo por cristãos anti-balaka por terem "interagido" com muçulmanos; e por fim, muitas são ainda forçadas a integrar redes de prostituição alimentadas também por soldados e polícias ao serviço das Nações Unidas.

"M'Poko é uma zona sem lei controlada por bandidos anti-balaka, situada a poucas centenas de metros do aeroporto internacional. O campo não está a ser protegido, e há mulheres a serem violadas", disse ao Washington Post Lewis Mudge, investigador da organização Human Rights Watch na República Centro-Africana.

Anthony Banbury, o secretário-geral adjunto da ONU responsável pela assistência no terreno, descreveu o campo de M'Poko como "um lugar onde acontecem coisas horríveis e inaceitáveis a mulheres e crianças", e reconheceu que há "alegações credíveis" de que há pessoas ao serviço das Nações Unidas entre os abusadores. "Esses abusos põem em causa tudo aquilo que nós representamos", disse o responsável.

Num comunicado, Parfait Onanga-Anyanga, o mais alto responsável da ONU na República Centro-Africana, resumiu a particular violência dos actos praticados por soldados e polícias da organização: "Não há lugar nas missões de manutenção de paz da ONU para quem trai a confiança das pessoas que devemos defender."

A liderança da missão da ONU na República Centro-Africana (MINUSCA) também emitiu um comunicado: "Na semana passada, uma equipa da UNICEF da delegação de Bangui visitou por quatro vezes as alegadas vítimas, todas menores. A UNICEF está a trabalhar com um parceiro local para ajudar as meninas a receber tratamento médico, e está a avaliar as suas necessidades de tratamento psicológico. Foi-lhes também entregue roupa, sapatos e kits de higiene."

Os vários relatórios feitos por organizações de defesa dos direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional, indicam que os indivíduos ligados à ONU envolvidos em casos de violações e outros abusos sexuais sentem que estão acima da lei, e que nunca serão punidos – para isso, segundo os mesmos relatórios, contribui o facto de que qualquer crime atribuído a um soldado ou polícia da ONU só pode ser investigado pelas autoridades dos seus países de origem.

"A ONU devia deixar-se de rodeios, para tentar não ofender governos, e em vez disso devia pôr as vítimas da exploração sexual e de abusos no centro das suas políticas", acusou Sarah Taylor, da Human Rights Watch.

Oficialmente houve 83 acusações contra pessoas ao serviço da ONU em 2008 e 51 em 2014, mas as organizações de defesa dos direitos humanos – e a própria ONU – dizem que há muitos outros casos que ficam por reportar, principalmente por medo de represálias.

"Esses dados não são apenas porosos. São uma anedota", afirma Paula Donovan, da campanha Code Blue, que se dedica a investigar acusações de abusos sexuais por pessoas ao serviço da ONU em missões de paz e segurança.

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