Relação diz que dux foi mentor das praxes no Meco, mas rejeita crime
Famílias dos seis estudantes mortos prometem recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
O Tribunal da Relação de Évora dá razão a alguns dos argumentos apresentados pelas famílias dos seis jovens que morreram na praia do Meco, em Sesimbra, em Dezembro de 2013, mas rejeita o principal pedido: que o único sobrevivente da tragédia, o então dux da Universidade Lusófona, João Gouveia, fosse julgado por seis crimes de exposição ou abandono. Os juízes Sérgio Corvacho e João Amaro indeferem, por isso, o recurso apresentado pelos familiares das vítimas, mantendo a decisão do juiz de instrução, que, em Março do ano passado, confirmou o arquivamento do caso, decidido uns meses antes pelo Ministério Público.
Mesmo assim, isto não colocará um ponto final no caso. Apesar de não haver recurso desta decisão nos tribunais portugueses, as famílias dos seis estudantes mortos já anunciaram a intenção de recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. "O processo começou mal desde o início. Acreditamos que havia muita gente interessada neste desfecho, mas isto é passar um atestado de estupidez às pessoas, porque ninguém acredita que os seis jovens tivessem sido arrastados por uma onda", afirma Fernanda Cristóvão, mãe de Ana Catarina Soares, outra vítima, assegurando que não vai desistir de lutar para provar que aquilo que aconteceu na praia do Meco não foi um simples acidente.
Numa decisão com 110 páginas, os juízes da Relação de Évora analisam os argumentos dos familiares e consideram que o juiz de instrução, com os elementos disponíveis no processo, deveria ter considerados indiciados alguns factos alegados pelas famílias, como o de que João Gouveia foi o único mentor das actividades de praxe desenvolvidas naquele fim-de-semana, em Aiana de Cima, Sesimbra. Apesar de, neste ponto, dar razão aos familiares das vítimas, os juízes desconstroem a tese destes, segundo a qual os jovens foram incitados pelo dux a consumir bebidas alcoólicas e praxados por este na noite fatídica na praia, quando este lhes ordenara que se deslocassem para a linha de água, de costas para o mar.
O facto de o arguido “ter sido o ‘mentor’ das actividades desenvolvidas no fim-de-semana fatídico”, dizem Sérgio Corvacho e João Amaro, não o constitui “no dever de garante da segurança dos seus colegas, que o acompanhavam, pois estes em nada haviam abdicado da sua autonomia jurídica, sendo cada um deles responsável pela garantia da sua própria segurança”. Os juízes sublinham que as vítimas eram todas maiores, com idades entre os 21 e os 24 anos, não havendo qualquer indício no processo de que não estivessem “no uso livre e esclarecido da sua vontade”.
“A factualidade indiciada não inclui qualquer acto da parte do arguido idóneo a obrigar, por meio de violência, ameaça ou outro meio semelhante, os seus colegas que vieram a falecer a sujeitarem-se, contra a sua vontade, ao perigo de morrerem afogados, como efectivamente veio a acontecer”, concluem os juízes. Por outro lado, afirmam que “ninguém pode ser censurado por não ter salvo alguém a quem não teve a oportunidade ou a possibilidade de salvar”
Vítimas alcoolizadas
Os juízes demoram-se a analisar a questão do consumo de bebidas alcoólicas, mas concluem que houve consumos "significativos" de álcool naquele fim-de-semana não porque o dux os tivesse incitado, mas porque tal “fazia parte do ‘programa’ dos chamados fins-de-semana de praxe”. Recordam que a única vítima a quem foi possível fazer análises apresentava um grau de alcoolemia de 0,85 g/l, além de canabinóides no sangue, o que leva os peritos a admitir “um certo grau de perturbação da coordenação motora da percepção e das funções cognitivas e afectivas com interferência na capacidade intelectual e de decisão da vítima, mormente em sede de avaliação do risco”.
A Relação rejeita ainda que João Gouveia tenha simulado o seu quase afogamento, realçando os testemunhos dos dois agentes da Polícia Marítima que o viram após ter accionado o 112. Atribuem a sobrevivência do dux à “pura sorte, à vantagem que lhe adveio do facto de ter sido praticante de bodyboard” ou ainda à eventualidade de estar menos próximo da linha de água.
Os familiares das vítimas pediam a nulidade da decisão do juiz de instrução, por este ter levado em consideração o depoimento de João Gouveia durante o inquérito, ouvido na qualidade de testemunha, o que lhe estaria vedado já que o dux se recusou a falar mais tarde, na instrução, quando já tinha a qualidade de arguido. A Relação de Lisboa diz que o depoimento não poderia ter sido valorado como prova, mas não retira daí a nulidade da decisão instrutória, mas apenas a desconsideração do depoimento como meio de prova. Os juízes desembargadores sublinham que esta questão não tem “muita relevância prática”, já que o arguido não confessou qualquer facto susceptível de o responsabilizar criminalmente.