Em dia de nova tragédia no Egeu, Merkel treme sob peso dos refugiados

Morreram quatro bebés e mais duas crianças a apenas vinte metros das costas gregas. Na Alemanha, instabilidade na coligação do Governo ameaça a política de portas abertas da chanceler.

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A maior parte das vítimas morreu a 20 metros da costa Giorgos Moutafis /Reuters

Das 13 pessoas que morreram neste domingo no Mar Egeu, dez estavam presas na cabina de uma embarcação que se voltou a apenas 20 metros da costa da ilha grega de Samos. A viagem era curta. De lá vê-se a Turquia, de onde partiram, com quatro bebés e mais duas crianças que agora fazem parte trágico registo de afogamentos no Mediterrâneo. Este ano contam-se já mais de 3300. Conta-se também o corpo da jovem mulher que deu à costa no mesmo local onde este barco naufragou. A sua décima primeira vítima, pelo menos.

Não foi o único incidente deste domingo no Egeu. Na ilha imediatamente a Sul, Agathonissi, a 20 quilómetros de Samos e da Turquia, a guarda costeira da Grécia resgatou quinze pessoas de um outro barco naufragado, mas não tinha encontrado ainda dois passageiros desaparecidos quando já caíra a noite. Numa terceira ilha, Farmakonnisi, um pouco mais a Sul, os homens da agência europeia Frontex recolheu dois cadáveres à deriva e três pessoas ainda vivas num outro barco que se afundara, provavelmente ainda em águas turcas. Não se sabia onde estavam pelo menos 15 outras pessoas que viajavam com os sobreviventes.  

É o fim de uma semana negra no Egeu, que na passada sexta-feira levou a vida de 17 crianças, de entre 22 vítimas causadas pelo naufrágio de um catamarã. Na quarta-feira anterior haviam morrido 24 pessoas, onze delas crianças. “Tenho vergonha”, disse o primeiro-ministro grego, com o dedo apontado à Europa. Esta semana, Alexis Tsipras visita a ilha de Lesbos, a porta de entrada para a maioria de migrantes e refugiados na Europa. Estará acompanhado de Martin Shulz, socialista e presidente do Parlamento Europeu.

Feridas alemãs

A centenas de quilómetros, na Alemanha, o destino intendido da maioria dos refugiados que chegam à Europa, Angela Merkel não conseguiu sarar as divisões na sua coligação sobre qual deve ser a política de acolhimento a refugiados no país e arrisca agora a ira de um dos seus parceiros no Governo. Horst Seehofer, o líder do partido irmão dos democratas-cristãos na Baviera, o CSU, dera até a este domingo para Merkel mudar a sua política de portas abertas, caso contrário, ver-se-ia obrigado a tomar “medidas de emergência” – a imprensa alemã diz que a CSU pode retirar os três ministros que tem no Governo.

No sábado, Seehofer negociou durante cinco horas com a chanceler alemã. Terá mesmo convencido Merkel a avançar com a construção de “zonas de trânsito” na fronteira com a Áustria, segundo fontes de ambos os partidos, onde se processariam pedidos de asilo e se faria a triagem entre refugiados e migrantes de países que não são considerados de risco – a Alemanha passou a incluir recentemente o Afeganistão nesta lista.

Mas as “zonas de trânsito” caíram neste domingo, na reunião entre os partidos de Merkel e Seehofer com o terceiro membro da coligação, os sociais-democratas, liderados por Sigmar Gabriel. “Não precisamos de grandes campos de internamento com a etiqueta de zonas de trânsito”, disse o social-democrata Schäfer-Gümbel, ao diário alemão Welt am Sonntag. Os três partidos encontram-se novamente na quinta-feira.

Oficialmente, Berlim espera aceitar 800 mil pedidos de asilo este ano, o dobro de 2014. Mas Merkel admitiu a portas fechadas que este número pode chegar a um milhão de refugiados. À medida que a sua popularidade cai na Alemanha, engrossa a opinião de que o país não consegue lidar com tantas chegadas, Merkel arrisca degradar os laços com países vizinhos. Na sexta-feira, passados dias de acusações mútuas, Berlim e Viena chegaram a acordo para reduzir para cinco o número de pontos de passagem de refugiados entre as duas fronteiras.  

Teme-se que fronteiras mais fechadas no Norte da Europa tenham um efeito de dominó no continente. É por força das barreiras de arame farpado erguidas pela Hungria nas suas fronteiras a Sul que entram agora dezenas de milhares de pessoas na Croácia e Eslovénia todas as semanas. Nos últimos quinze dias desde que Budapeste se isolou da crise de refugiados na Europa, a Eslovénia recebeu mais de 100 mil pessoas. A Croácia, que apressa refugiados e migrantes para o Norte em comboios especiais, viu entrarem mais de 200 mil em Outubro. Daí que a Eslovénia diga estar pronta para erguer barreiras caso não receba a ajuda devida de Bruxelas. E que a Áustria tenha anunciado esta semana uma “barreira técnica” no seu principal ponto de fronteira a Sul, em Spielfeld.

Merkel, a equilibrista

O periclitante consenso em torno de Schengen e a relativa abertura europeia em face ao êxodo de refugiados parece depender da capacidade de Merkel resistir a medidas mais drásticas para reduzir a chegada de pessoas à Alemanha. Se perder a luta no interior da coligação e a Alemanha desistir da sua política de portas abertas, não será apenas a Eslovénia a construir uma nova barreira na Europa. Bulgária, Sérvia e Roménia prometeram já fechar as suas fronteiras caso Berlim encerre as suas.

Os líderes dos Balcãs, que culpam a Alemanha e Merkel pela quantidade de pessoas em trânsito nos seus territórios, não querem que os seus países se tornem numa zona tampão para centenas de milhares de refugiados. Caso isso aconteça, disse já o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, os europeus arriscam-se a ver corpos nos rios gelados da Europa Oriental, onde o frio do Inverno se começa a instalar. Mas a própria ideia de que a Europa poderá em breve impedir novas entradas pode ter o efeito contrário e fazer com que mais pessoas arrisquem a viagem pelo Mediterrâneo em más condições.

Muitos temem que a construção de novas barreiras e “zonas de trânsito” faça com que a entrada para países como a Alemanha fique para sempre vedada. Outros não têm meios para passar o Inverno na Turquia e esperar por melhores marés. Voltar para trás não é alternativa para quem enfrenta a guerra e perseguição. Quem consegue chegar às margens europeias alerta: os traficantes na Turquia oferecem descontos de até 50% para viagens com mau tempo em barcos insufláveis. 

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