A "catástrofe" do Iémen pode ter um novo cessar-fogo humanitário

Contra as expectativas, as Nações Unidas agendaram para sexta o início de um cessar-fogo que deverá durar até ao fim do Ramadão. Faltam água, comida, medicamentos e abrigo a 80% da população.

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Já morreram mais de 1500 civis desde os bombardeamentos sauditas no Iémen e a população precisa urgentemente de assistência Saleh al-Obeidi / AFP

A aterragem de um avião no aeroporto de Sanaa é uma imagem rara. O espaço aéreo da capital do Iémen está fechado há mais de três meses, desde que começaram os bombardeamentos quase diários de uma coligação de países do Golfo liderados pela Arábia Saudita contra os rebeldes huthis. A cidade, tal como o resto do país, tem as marcas de um conflito interno mortífero e da ainda maior destruição causada pelos ataques aéreos constantes.

Já morreram mais de 3200 pessoas desde que em Março começaram os bombardeamentos. Metade são civis. As últimas estimativas das Nações Unidas dizem que há 21 milhões de pessoas no Iémen que precisam de ajuda humanitária. Sensivelmente 80% da população não tem o devido acesso a água, comida, medicamentos e abrigo. Metade do país está perto da fome extrema e há 1,2 milhões de deslocados.

Na capital, os rebeldes huthis são alvo de bombardeamentos e de uma vaga incessante de atentados jihadistas sunitas. No final de Março, uma vaga de explosões reivindicadas pelo autoproclamado Estado Islâmico matou 142 pessoas. Os huthis, xiitas que recebem algum apoio do Irão, controlam Sanaa há nove meses, assim como grande parte do noroeste do país.

Com apoio de vários grupos, incluindo fiéis do antigo Presidente Ali Abdullah Saleh, os huthis expulsaram o Governo internacionalmente reconhecido de Mansour Hadi. Quando o fizeram, Hadi pediu a Riad uma frente área que travasse os rebeldes. Os huthis não foram contidos e responderam com rockets contra o território saudita. O máximo que os bombardeamentos conseguiram foi tornar o conflito interno do Iémen ainda mais violento.

Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o Iémen “é uma catástrofe”. No início do mês, a ONU declarou que o país é um caso de urgência humanitária máxima. O mesmo nível que é atribuído à Síria, Iraque e Sudão do Sul.

O avião que aterrou no domingo em Sanaa transportava o enviado das Nações Unidas para o Iémen, Ismail Ould Cheikh Ahmed. Sabe-se agora que levava também a possibilidade mais realista para um novo cessar-fogo desde que, em Maio, uma fugaz trégua de cinco dias permitiu a entrada de remessas cruciais de apoio humanitário. Ismail Ahmed conseguiu dos rebeldes huthis o “sim” que faltava e, no momento em que o enviado especial deixava o desertificado aeroporto de Sanaa, nesta quinta-feira, as Nações Unidas anunciavam sete dias de cessar-fogo.

“Sentimos que temos os sinais necessários de todos os grupos para anunciarmos o início desta pausa na sexta-feira”, disse Stephane Dujarric, porta-voz das Nações Unidas. Falta que todos os lados o cumpram a partir da meia-noite de sexta-feira e até, pelo menos, ao final do Ramadão, que termina no dia 17 de Julho.

Há sinais que permitem algum optimismo. Na quarta-feira, o Governo exilado de Abd-Rabbu Mansour Hadi fez saber que estava preparado para aceitar “uma trégua nos próximos dias”. Antes da chegada de Ismail Ahmed a Sanaa, as Nações Unidas já tinham várias organizações humanitárias de sobreaviso para que accionassem em breve a ajuda humanitária ao Iémen.  

Um acordo frágil

O plano de um cessar-fogo para o mês do Ramadão tem semanas de impasse e de retrocessos. Muitos especialistas e responsáveis não esperavam um acordo e o consenso é o de que uma trégua entre os vários grupos será sempre frágil. Aconteceu o mesmo no último cessar-fogo, em Maio. A trégua humanitária, patrocinada pelos Estados Unidos, deveria renovar-se por períodos de cinco dias, caso os huthis não fizessem movimentações no terreno. Ao quinto dia, os bombardeamentos árabes regressaram ao Iémen – os rebeldes foram acusados de terem tentado tirar proveito da trégua e de reposicionar os seus combatentes.

Não se conhecem os detalhes do acordo desta quinta-feira. Até esta semana, as posições dos huthis e do Governo exilado pareciam irreconciliáveis. Os primeiros exigiam o fim dos bombardeamentos para negociarem uma trégua o segundo ordenava que os rebeldes saíssem das cidades que disputam no Sul.

Estas posições não se alteraram ao longo de um encontro de três dias em Genebra, em meados de Junho. Era a primeira vez que as Nações Unidas conseguiam que todos os grupos envolvidos no conflito se juntassem. Mas a delegação huthi nunca se chegou a reunir com os representantes do Governo exilado. O encontro, aliás, parecia condenado desde o início.

“Ambos os lados enviaram líderes políticos de segunda ordem para genebra, com o conhecimento de que esses líderes não iriam faze concessões significativas ou avanços por si sós”, escrevia então a Al-Jazira.

Há outro obstáculo às negociações: uma ramificação do conflito que antes da intervenção saudita não existia. “Era efectivamente uma luta de grupos locais, paralela a vários conflitos territoriais de diferentes tribos. Mas era um conflito localizado”, diz à rádio pública norte-americana Adam Baron, investigador do think-tank Conselho Europeu para as Relações Internacionais.

Tudo isso mudou com a intervenção da Arábia Saudita, em nome do Governo exilado de Hadi, e do Irão, que apoia não oficialmente os rebeldes xiitas. “Na realidade, a chave para resolver a actual crise no Iémen está em Teerão e em Riad, dois países que não fazem directamente parte das negociações [de cessar-fogo]”, sentencia a Al-Jazira. 

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