Podemos espanhol apresenta programa de “resgate ao cidadão”
Reacções mais críticas ao partido de Iglesias vieram de Rivera, líder dos Cidadãos. A menos de três semanas das eleições regionais e locais, ambos se enfrentam numa guerra sem tréguas pelo monopólio do discurso da mudança.
Do texto, que os próprios descrevem como “realista”, podem ter saído algumas propostas consideradas mais radicais, mas foi num encontro ao estilo de uma assembleia popular, a lembrar o movimento dos Indignados, que o partido espanhol Podemos anunciou o seu programa para as eleições de dia 24, domingo em que milhões de eleitores serão chamados a escolher governos regionais e municipais por toda a Espanha.
A maioria dos títulos da imprensa espanhola sublinha “o esquecimento” de algumas medidas de ruptura. Mas, numa análise assinada no El País, Javier Ayuso defende que o partido de Pablo Iglesias regressou “às origens depois de um longo caminho de idas e voltas até à centralidade do tabuleiro político”. O exemplo maior desse regresso ao espírito fundador, faz notar o mesmo diário, é “a bateria de propostas dedicada ao ‘resgate cidadão’”.
São “215 medidas para um projecto de país” as que foram apresentadas no Teatro Fernando de Rojas do Círculo de Belas-Artes de Madrid, um encontro aberto aos jornalistas, cheio de público, com um palco onde estiveram e falaram 23 líderes e candidatos do partido a todas as comunidades autonómicas.
Iglesias guardou para si a proposta de lei 25 de emergência social, numa referência ao artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos sobre a vida digna dos cidadãos. Esta “medida estrela” inclui o compromisso de “paralisar os despejos que afectem os devedores de boa-fé que não puderam pagar as suas hipotecas por enfrentarem dificuldades económicas”. Ao longo de 2014, quase 36 mil famílias foram obrigadas a sair das suas casas por incumprimento das hipotecas bancárias.
Dos quatro blocos em que se divide o programa (que ainda será desenvolvido com textos sobre as diferentes regiões e documentos a atestar a viabilidade económica das propostas), o primeiro é o dedicado ao “resgate cidadão”, em que se inclui a possibilidade de acordo entre devedor e bancos, mas desaparece a dívida eterna (o que falta pagar do empréstimo, independentemente do valor real do imóvel) que actualmente os despejados carregam consigo.
Por outro lado, o partido retira do programa com se estreou nas europeias de há um ano o “rendimento mínimo universal”, substituindo-o por um plano de rendimento mínimo de inserção que visa aproximar este subsídio do salário mínimo. E reduz os impostos para quem ganha menos de 25 mil euros anuais, aumentando o cobrado a quem ganhe mais de 50 mil. O fornecimento de gás e electricidade voltam a ter carácter de “serviço público” e há um “mínimo vital” destes dois serviços que passa a ser assegurado pelo Estado.
Novos já contam
As mensagens do partido que em Novembro surpreendeu, ao saltar para o primeiro lugar nas intenções de voto nas sondagens às legislativas previstas para Dezembro, dirigem-se aos mais castigados pela crise, mas não deixam de falar aos chamados "eleitores do centro", o eleitor médio tradicional dos socialistas, que nenhum partido pode ignorar, se quer ganhar eleições – mesmo neste novo cenário em que o bipartidarismo de sempre foi substituído por uma previsível e inédita fragmentação de voto.
Se Iglesias passou meses a interpelar directamente o primeiro-ministro da direita, Mariano Rajoy, e depois o novo líder do PSOE, Pedro Sanchéz – sem possibilidade de se lhes dirigir directamente, no Congresso ou em debates, tentava roubar-lhes o palco com iniciativas próprias –, agora parece ser chegado o tempo da guerra aberta entre o Podemos e o outro partido sensação da política espanhola, o Cidadãos (que concorre em todo o país, depois de anos como partido catalão).
Ambos representam a mudança que os espanhóis dizem desejar. O Podemos rouba votos à esquerda e à abstenção, o Cidadãos ao PP e ao PSOE. “Tenho a sensação de que o Podemos é um partido que se rege basicamente pelos inquéritos e vai mudando as suas propostas e mensagens em função disso”, acusou o líder dos Cidadãos, Albert Rivera.
As declarações de Rivera, o primeiro a reagir às propostas de Iglesias, podem explicar-se com… as sondagens. As duas forças emergentes conseguem atrair eleitorado tradicional dos dois partidos que têm alternado no poder, mas também já disputam eleitores, o grupo de “indignados urbanos”, desejosos de castigar PP e PSOE pela gestão da crise.
O partido de Riveras, ora terceiro, ora quarto nas sondagens para as legislativas, diz ver no Podemos “um partido novo com soluções velhas”; Iglesias vê nos Cidadãos uma cara nova “para o mesmo de sempre”.
Em breve, e muito antes das parlamentares, as contas a fazer depois das eleições de 24 de Maio serão muitas e não serão fáceis. Os dois partidos, que na Andaluzia impediram até agora que a socialista Susana Díaz forme governo e seja confirmada como presidente da região (depois das eleições de 22 de Março), vão ter de decidir se estão dispostos a negociar com os partidos tradicionais e, com isso, arriscar perder eleitorado a nível nacional.
Madrid será um dos palcos da disputa eleitoral deste mês – de acordo com as sondagens mais recentes, o PP vai perder a maioria absoluta e talvez o governo da comunidade e da câmara. Neste cenário, se os socialistas negociassem uma coligação com o Podemos e a Esquerda Unida ultrapassariam uma eventual aliança entre o PP e os Cidadãos, de Rivera. Por outras palavras, falta muito para as legislativas, mas os novos partidos do tabuleiro político espanhol já contam e não é pouco.