O fim dos protestos de Hong Kong não significa o fim do movimento pró-democracia

"Não posso dizer que o movimento acaba com uma vitória, mas também não creio que tenha sido um fracasso. Vamos voltar", disse o líder estudantil Alex Chow.

"Voltaremos", escreveram os manifestantes em faixas e cartazes
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"Voltaremos", escreveram os manifestantes em faixas e cartazes Isaac Lawrence/AFP
Mais de 10 mil pessoas juntaram-se antes do aguardado desmantelamento
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Mais de 10 mil pessoas juntaram-se antes do aguardado desmantelamento Isaac Lawrence/AFP

O trânsito em Admiralty — o bairro onde estão situados os edifícios governamentais — voltou a circular depois de uma operação que durou sete horas, diz o jornal de Hong Kong South China Morning Post, acrescentando que não houve violência, como foi testemunhado pelos cerca de 200 jornalista, locais e estrangeiros, no local.

Os líderes estudantis resignaram-se — até porque, nas últimas semanas, o número de manifestantes nas ruas e nos acampamentos diminuiu significativamente. Mas prometeram o regresso do protesto — sem data marcada, mas em breve. “Não posso dizer que nos retiramos de uma forma esplendida ou que o movimento acaba com uma vitória, mas também não creio que tenha sido um fracasso. Vamos voltar. O Occupy acaba temporariamente, mas no próximo meio ano deveremos assistir à segunda fase”, disse o líder estudantil Alex Chow Yong-kang, antes de ser detido.

Além de líderes estudantis (nove membros da Federação de Estudantes) e de algumas pessoas que recusaram obedecer à ordem para se irem embora e se sentaram na estrada, foram detidos Martin Lee Chu-ming, do Partido Democrático e a estrela pop Ho Wan-see. E ainda o cidadão Au Yeung Siu-hung, destacado pela imprensa local, por ter 67 anos e por ter estado na rua os 75 dias que durou o protesto por eleições democráticas na região em 2017.

O movimento pró-democrático afectou toda a gente em Hong Kong — dai as palavras de Leung. Dos taxistas aos vendedores de legumes, como explicava no South China Stephanie Cheung, que participou no movimento estudantil dos anos de 1970. “Esta revolta acordou a cidade para um interesse que vai mais além da luta pela sobrevivência ou por um padrão de vida. (...) Este novo espírito está cheio de novos ideais e de novas ambições”.

O movimento juntou uma mistura de universitários, professores, juristas, cidadãos e alguns antigos activistas que participaram nos protestos da Praça de Tiananmen, em 1989, ou ajudaram manifestantes a fugirem de Pequim e a refugiar-se em Hong Kong. O protesto cresceu durante algum tempo mas acabou dividido sobre os métodos de protesto, ao mesmo tempo que algumas acções mais violentas, como as tentativas para ocupar edifícios públicos, iam custando o apoio dos comerciantes e de parte da população.

A unir todos os grupos esteve sempre a exigência de que a China cumpra o que prometeu em 1997, quando disse que seria a população a escolher o chefe do governo regional. Em Agosto, quando foi aprovada a reforma eleitoral, os habitantes ficaram a saber que os seus votos vão contar mas que só poderão escolher entre alguns candidatos seleccionados por Pequim.

“Voltaremos”, diziam os cartazes que, em inglês e em cantonês, os manifestantes deixaram nas ruas, em Admiralty e em Causeway Bay, onde também restavam algumas tendas. “Podem desmanchar um acampamento, mas não podem destruir uma ideia”, dizia uma inscrição a giz no asfalto. A promessa de regresso da segunda fase dos protestos nos próximos seis meses tem uma razão de ser — vai começar a segunda fase da consulta pública sobre a reforma eleitoral.

Objectivamente, os estudantes não conseguiram nada. O Governo de Pequim não cedeu em qualquer frente: não recuou quanto à forma como serão feitas as eleições em 2017, não houve negociações entre os manifestantes e o governo local (chegaram a ser anunciadas, com alguns analista a dizerem que a intenção não passou de uma manobra para ganhar tempo), não perdeu a face recorrendo à violência, optando antes por deixar passar o tempo até os protestos enfraquecerem. E enfraqueceram tanto que, relatam os jornais de Hong Kong, no levantamento do que restava dos acampamentos os homens do lixo estiveram mais activos do que os polícias mobilizados.

Mas o que se passou em Hong Kong durante 75 dias não teve precedentes e, por isso, não pode ser avaliado a preto e branco — não é mera matéria de vencedores e vencidos. Como disse o director do Centro Politécnico da Universidade de Hong Kong, Chung Kim-wah, apesar de a ocupação das ruas ter acabado, o governo local perdeu apoios essenciais junto da opinião pública e que, por isso, a governação da cidade será, a partir de agora, mais difícil. Este movimento, disse Chung, “abalou totalmente esta sociedade”.

 
 

   





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