Extremistas somalis voltam a atacar no Quénia e matam 36 operários

Milícias Al-Shabaab ameaçam continuar a atacar "sem piedade" no país vizinho. Presidente declara guerra aos radicais e afasta responsáveis pela segurança nacional.

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"Separaram os muçulmanos e depois ordenaram aos outros que se deitassem no chão, baleando-os na cabeça", contou um ancião de uma aldeia vizinha AFP

As Al-Shabaab, milícias islamistas da Somália, reivindicaram a execução de 36 operários num ataque ocorrido na última madrugada no Nordeste do Quénia e que levou o Presidente a substituir os responsáveis pela segurança nacional. Os radicais prometem continuar a atacar “sem piedade” o país vizinho, onde as suas infiltrações ameaçam atiçar as tensões étnicas e religiosas.

O ataque, o segundo do género em pouco mais de uma semana, aconteceu às primeiras horas desta terça-feira, quando operários que construíam uma estrada nos arredores da cidade de Madera, a poucos quilómetros da fronteira somali, dormiam nas suas tendas. Sobreviventes contaram que um grupo de 20 homens armados chegou ao local e começou a disparar. Hassan Duba, um ancião de uma aldeia vizinha, contou à Reuters que “os milicianos separaram os muçulmanos e depois ordenaram aos outros que se deitassem no chão, baleando-os na cabeça”.  

A Cruz Vermelha queniana confirmou ter encontrado no local 36 cadáveres e testemunhas adiantam que pelo menos dois trabalhadores foram decapitados. Um responsável da polícia adiantou à AFP ter indicações de que há trabalhadores desaparecidos, estando a decorrer investigações para apurar se terão fugido durante o ataque ou se foram levados pelos milicianos.

As Al-Shabaab, grupo que em 2012 jurou fidelidade à liderança da Al-Qaeda, não demoraram muito a reivindicar a acção, apresentada como uma nova retaliação pela intervenção do Exército queniano na Somália, que desde 2011 combate os radicais nos seus bastiões do Sul da Somália.

“Este ataque faz parte de uma série de operações planeadas e executadas pelos muhajedin em resposta à ocupação das terras muçulmanas pelo Exército queniano e às suas atrocidades”, lê-se num comunicado enviado às agências por Ali Mohamud Rage, porta-voz dos extremistas. E em tom de ameaça acrescenta: “Continuaremos a defender a nossa terra e o nosso povo face a esta agressão. Não cedemos nas nossas crenças, somos incansáveis a defendê-las e impiedosos com os infiéis”.  

Pouco depois, o Presidente Uhuru Kenyatta foi à televisão anunciar que tinha afastado o ministro do Interior, Joseph Ole Lenku, e aceitado a demissão do chefe da polícia nacional, David Kimayo, ambos criticados pela incapacidade para travar os ataques das Al-Shabaab no país. Declarando guerra aos radicais, o chefe de Estado nomeou para a pasta do Interior Joseph Nkaissery, um deputado da oposição e antigo general. “Esta é uma guerra contra o Quénia”, uma batalha que “todos os quenianos devem travar”, afirmou Kenyatta, num discurso recheado de expressões bélicas.

A operação militar queniana na Somália, em conjunto com a União Africana, forçou as Al-Shabaab – grupo dissidente dos radicais islâmicos, que na década passada chegaram a controlar Mogadíscio – a abandonar as cidades que detinha no Sul do país, mas os radicais controlam vastas zonas rurais. Passaram a retaliar com atentados e atacam, de forma cada vez mais frequente, em território queniano.

Depois de 67 pessoas terem morrido no ataque, em Setembro de 2013, contra o centro comercial Westgate, em Nairobi, o Governo queniano prometeu reforçar a segurança na porosa fronteira com a Somália, mas desde o início do Verão passado, os radicais multiplicam ataques na região. O mais recente – a execução, a 22 de Novembro, de 28 passageiros não muçulmanos que viajavam de autocarro nos arredores de Madera – levou a oposição a pedir ao Presidente que retire os soldados quenianos da Somália. “Era suposto eles criarem uma zona tampão entre os dois país e evitarem [a expansão] do caos que existe do outro lado, mas não fizeram nem uma coisa nem outra. Pedimos, por isso, que sejam retirados”, disse o porta-voz do líder da oposição e ex-primeiro-ministro, Raila Odinga.

Os ataques não representam apenas um problema de segurança para o Quénia. Estão também a alimentar as fracturas étnicas, muito vivas no país. A população da região costeira de Mombaça é maioritariamente muçulmana e de etnia somali, num país de múltiplas tribos, onde 80% das pessoas se identificam como cristãs. As Al-Shabaab afirmam-se como defensoras daquela minoria e os seus ataques visam essencialmente aldeias ou locais cristãos, o que leva as forças de segurança a acusar vários responsáveis locais de conivência com os radicais.

Mombaça foi durante muito tempo um dos grandes pólos turísticos do Quénia, mas os ataques na região afastaram estrangeiros e nacionais. Mas na zona permanecem muitos trabalhadores vindos de outras partes do país, sobretudo cristãos, que temem cada vez mais pela sua segurança – na semana passada, após a emboscada ao autocarro, sindicatos de professores, médicos e funcionários públicos aconselharam os seus associados a deixarem o Nordeste do país.

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