Pedida em França a reabilitação de Mata Hari

Um grupo de oficiais com expressões fúnebres acordam a bela e enigmática prisioneira, ao romper do dia 15 de Outubro de 1917. "Que mania a dos franceses, de fuzilarem as pessoas na alvorada. Preferia ir ao bosque de Vincennes de tarde, depois de um bom almoço", suspira Mata Hari. Recusa, rindo, dizer que está grávida para salvar a vida, como lhe sugere num murmúrio um advogado, o último dos seus amantes a ser-lhe fiel.Cortesã e bailarina, acusada de espionagem e condenada à morte por um tribunal militar francês, Margaretha Geertruida Zelle (o seu verdadeiro nome, de origem holandesa) seria fuzilada poucas horas depois, junto à caserna do bosque de Vincennes. Rezam os anais militares que Mata Hari passou lentamente e sem medo perante os doze soldados do pelotão de execução, que lhe apresentam armas. A bela espia recusou o lenço com que cobriam os olhos dos condenados, e não baixou o olhar ao ser fuzilada. Nascia assim um dos mitos da imaginação moderna - o da mulher espia, muito próximo, afinal do das feiticeiras sedutoras.Mas por que razão morreu uma das mulheres mais cobiçadas da sua época, verdadeiro ídolo de Paris e de muitas outras capitais europeias? Por quase nada, por um ou dois segredos de polichinelo, disseram durante muitos anos os historiadores. Por nada, na realidade, responde hoje a Fundação Holandesa Mata Hari, que interpôs um recurso junto da justiça francesa para a reabilitação da sua memória. Mas uma diligência judicial desta ordem exige a apresentação de um facto novo à justiça.Ora para Léon Schirmann, um historiador especialista em erros judiciais que estudou o caso Mata Hari nos arquivos franceses, alemães e britânicos, há quatro factos novos, dois dos quais de suprema importância: primeiro, a prova da "falta de sinceridade" de um oficial alemão, que manipulou uma informação para "entregar" a cortesã aos franceses, e depois a prova "de uma maquinação do 2º departamento", ou seja, da contra-espionagem francesa, cujos oficiais "mentiram sob juramento" para acusarem Mata Hari.A espia aprendiz, mais quedada para as artes da sedução do que para o jogo de sombras da espionagem, teria sido assim vítima de um processo francês falsificado por razões patrióticas. "Mata Hari não era feita para ser espia", diz Léon Schirmann, "mas os militares serviram-se dela para fazerem uma campanha anti-boche [boche era o nome injurioso dado pelos franceses aos alemães]. Era apenas uma mulher que gostava de tirar proveito da vida, e que não se apercebeu que, com a guerra, nada seria mais como dantes".Nascida na Holanda em 1876, Mata Hari foi uma das dançarinas de charme mais aduladas do seu tempo. "Não sabia dançar, mas sabia despir-se progressivamente e ondulava o seu longo corpo bronzeado, magro e orgulhoso", frisou a escritora Colette, sua contemporânea, nas colunas do jornal "Figaro". A célebre dança dos véus de Mata Hari - que significa "sol", em malaio - ainda hoje assombra a biblioteca do museu de artes orientais Grimet, em Paris, onde deu muitos espectáculos. Ganhou fortunas e gastou o dobro, graças aos homens ricos e poderosos que conquistou. O começo da guerra de 1914-18 arruina-a. Meio esquecida na Holanda, será contratada por um belo oficial alemão para espiar a França por conta do keiser. Não foi grande aposta, a dos alemães: o agente H21 tinha a memória vagabunda e volátil, e pouco ou nenhum tacto em matéria de fazer perguntas. A bela era ingénua e facilmente enganada, segundo uma análise do MI5, os serviços de contra-espionagem britânicos, que a prenderam para interrogatório e que, depois de a terem solto, escreveram um relatório sobre a sua beleza e a elegância com se vestia.Mas o pior de tudo era a sua falta de sentido político: a "espia" dos alemães apaixonou-se loucamente por um oficial russo, e como a Rússia era aliada da França contra a Alemanha, os franceses contrataram-na como agente duplo. Um oficial alemão que depressa descobriu a manobra, fê-la passar um agente triplo. Os franceses fizeram de conta que acreditaram na manipulação alemã, porque lhes convinha, naquele momento. Doravante, o destino de Mata Hari estava selado.Os seus dois carrascos da contra-espionagem francesa fizeram carreiras brilhantes. Durante a ocupação nazi da França, prestaram juramento ao marechal Pétain, chefe do regime ditatorial de Vichy. A Libertação e a vitória aliada reuniu-os, de novo, em 1945: um deles foi o procurador geral do processo de Pierre Laval, o primeiro-ministro de Pétain, e outro foi o presidente da comissão de acusação de Laval.

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