Navego, logo existo

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Internet Explorer

Publicidade dirigida como uma seta em direcção ao alvo. Sem desperdício de munições. Sem perda de tempo. As empresas e os publicitários encontraram o Santo Graal na Internet. Os internautas poderão ter perdido aí boa parte da sua privacidade.

Já deve ter reparado: um dia entrou no site de uma conhecida marca de sapatos e, dias depois, deu por si a ser perseguido por publicidade a essa marca enquanto navegava. Outro exemplo: decidiu que queria ir de férias a Cabo Verde - vamos supor - e por isso começou a pesquisar voos, hotéis, agências de viagens... Até esteve à beira de comprar a viagem online mas depois percebeu que não podia ir naquelas datas e desistiu, no último minuto. Horas depois começa a ver que o seu Facebook está cheio de anúncios de promoções de idas para Cabo Verde. Já lhe aconteceram coisas semelhantes enquanto navega? Nesse caso, bem-vindo ao maravilhoso e polémico mundo da publicidade comportamental.

Antigamente, quando ainda não havia Internet, os anunciantes e as agências de publicidade corriam o risco de desperdiçar os anúncios com as pessoas erradas. Um anúncio ao sabão X a passar na telefonia às 16h podia ser que chegasse aos ouvidos da D. Henriqueta, dona de casa e potencial compradora desse sabão. Mas esse anúncio também podia chegar ao dr. Agostinho, ortopedista, que tinha tanto interesse por um sabão como uma dona de casa por um fémur.

Com o advento dos computadores pessoais e da Internet, tudo mudou. As companhias publicitárias, os anunciantes e os browsers foram acumulando uma gigantesca pilha de informações acerca dos internautas, a ponto de lhes poderem servir doses unipessoais de publicidade a gosto, com base não só na sua idade, género e localização geográfica como também com base nos seus gostos, nos seus interesses, nos seus hobbies... Hoje em dia, a D. Henriqueta e o dr. Agostinho já não fazem parte de uma massa anónima de potenciais compradores. Eles são a D. Henriqueta, mulher de 65 anos com dois filhos, exímia cozinheira e coleccionadora de colheres de prata, e o dr. Agostinho, pescador de fim-de-semana, reformado e amante de passeios de jipe com o cão, um grand danois.

Terão os internautas consciência deste fenómeno? A Pública decidiu inquirir alguns internautas a este respeito. Rita Martins, licenciada em Economia que trabalha na Alemanha, indicou já se ter apercebido do fenómeno e discordar em absoluto dele: "Abomino qualquer tipo de publicidade baseada nos meus dados pessoais. Obviamente que todos sabemos que informação vale muito nos dias que correm, e que uma plataforma como o Facebook ou o Google só podem funcionar de forma gratuita se atraírem empresas que os utilizem como veículos dos seus meios publicitários. Mas uma coisa é a publicidade generalizada (como a da televisão) e outra é a publicidade personalizada, que se baseia nas informações que eu, voluntariamente, não forneci a ninguém, pois limitei-me a surfar a Internet."

Os cookies

Pergunta pertinente: mas afinal como é que o meu historial de pesquisas e de navegação online é conhecido e como é que ele vai parar às mãos dos anunciantes? Aqui vai uma lição de informática embrulhada em filosofia: o Inferno já não são os outros. São os cookies, Sartre. São os cookies.

Os cookies informáticos são pequenos ficheiros que um determinado site deixa nos nossos computadores a fim de se poder lembrar, no futuro, quem nós somos. Exemplo prático: de cada vez que entra no seu Gmail, por exemplo, a partir do seu PC, o seu username já lá está e só precisa de escrever a password e fazer sign in, verdade? Isso é obra dos cookies. É com a ajuda deles que o nosso histórico de navegação fica a nu: as pesquisas, as informações colocadas em sites que necessitam de registo, os livros e os DVD que já tenhamos acrescentado ao nosso carrinho de compras online...

Muito popular é o "retargeting comportamental", ou seja, aquela publicidade que segue o consumidor dando aos anunciantes uma segunda (terceira, quarta...) hipótese de capitalizar com aquele consumidor, mostrando-lhe os mesmo produtos que visitou nos sites originais mas estando noutras páginas.

Também aqui, como em tantas outras coisas, o timing é de suprema importância. Uma publicidade tem tanto mais hipóteses de ser eficaz quando é mostrada numa altura em que os utilizadores procuram conteúdos relacionados. Aqui vai uma analogia exibicionista: é como se alguém andasse atrás de nós com uma gabardina, nos seguisse para todo o lado, e volta e meia, nos lugares mais apropriados, abrisse a gabardina e se expusesse.

É, portanto, com a ajuda destes cookies (que cada internauta poderá desactivar, mas já lá vamos) que uma rede de agentes pertencentes à crescente indústria publicitária online consegue montar a sua vigilância online. As actividades dos consumidores são monitorizadas e os dados acerca dos seus comportamentos são usados para se compilarem "perfis". Estes perfis são "ouro" para os anunciantes. O método é o Santo Graal da publicidade. Falando concretamente: marcas de vestuário como, por exemplo, os gigantes Gap e Victoria"s Secret pedem a empresas de armazenamento de dados online - como a Datran e a Acxiom - para lhes colocarem publicidade dirigida a perfis específicos em sites como o Facebook, o portal Yahoo e o jornal The New York Times. É simples, eficaz, vai direito ao alvo e rende milhões.

Alguns internautas até aplaudem este tipo de publicidade. Catarina Moleiro, outra utilizadora ouvida pela Pública, é a favor: "Não me incomoda nada essa publicidade comportamental. Até acho piada e às vezes até clico, por ser um tema que pesquisei ou que me interesse. Sou a favor."

Há evidentes vantagens nesta publicidade comportamental: há maiores probabilidades de um utilizador considerar a publicidade interessante e/ou útil, esta publicidade ajuda a pagar a actividade de sites e de blogues de que gostamos e que, de outra forma, não existiriam e, em última análise, já que os anúncios online são um "mal necessário", mais vale que eles sejam adaptados aos nossos interesses.

Opt out

Mark Ghuneim, fundador e director executivo da empresa Wiredset, uma agência digital norte-americana especialista nesta matéria e defensora do princípio da transparência nesta indústria, defende, porém, que as desvantagens ainda suplantam as vantagens. "Quando um consumidor fornece às empresas a sua PII (Personally Identifiable Information) - o seu histórico, a sua localização, com quem comunica, o que compra online - isso acontece tudo sem o seu consentimento implícito", disse Ghuneim à Pública via email. "Estamos a ajudar as empresas a gerar um perfil pessoal sem qualquer recompensa, incentivo ou permissão expressa. E isso acontece tudo debaixo do pano. As empresas - que agregam dados pessoais - podem beneficiar das nossas acções vendendo o nosso perfil a qualquer um."

Mark Ghuneim - que tem um passado como hacker - diz que as situações em que é o próprio utilizador a dar a sua autorização à publicidade dirigida são as mais adequadas, porque desta forma o consumidor sente que está a controlar a situação e a ganhar alguma coisa em troca. "A Amazon, por exemplo, premeia a partilha de preferências e o histórico de compras ao ajudar o consumidor a descobrir coisas de que ele poderá gostar."

Dado este cenário, que Mark Ghuneim descreve como um "Oeste selvagem", em que as estratégias agressivas estão a extrair lucros de todas as formas possíveis, os reguladores começaram a preocupar-se. A ex-comissária europeia da Saúde e dos Consumidores, Meglena Kuneva, já em 2009 tinha falado no fenómeno da "colecção maciça de dados pessoais e comportamentais" online que cria "oportunidades, sem precedentes, de atingir utilizadores comercialmente mais vulneráveis, como crianças e pessoas com problemas de saúde ou financeiros". Nos EUA, a Federal Trade Commission também entrou em cena e recomendou a adopção de um mecanismo contra o rastreio publicitário.

Nova pergunta pertinente: como é que eu me posso salvaguardar de tudo isto? Os três browsers mais usados em todo o mundo - Internet Explorer (Microsoft), Firefox (Mozilla) e Chrome (Google) - decidiram recentemente, face ao aperto regulatório, oferecer aos utilizadores um sistema de opt out. Ou seja, a possibilidade de impedir a entrada de cookies publicitários nos computadores. Para saber como desactivar, confira os links ao lado.

A Pública tentou falar com representantes da indústria publicitária, nomeadamente com o director da empresa britânica Struq (Sam Barnett) e com Armando Alves, web strategist na agência de marketing interactivo Fullsix Portugal, mas não obteve resposta em tempo útil.

susaribeiro@publica.ptJ

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