Sem medo de facas

Foto
Batatas e legumes cru

Quando peguei na minha faca de chefe pela primeira vez, a sua lâmina de 20 centímetros parecia tão assustadora como um machete. Como podia eu usar uma coisa tão grande sem derramar sangue?

Eu era obviamente neófita no uso de facas de cozinha. Isso foi antes de aprender a segurar uma faca de chefe - de maneiras como nunca pensei que se devesse segurar uma faca - e antes de aprender a fazer a importantíssima (mas, francamente, bizarra) "garra", uma forma de dobrar as pontas dos dedos da outra mão garantidamente fora do caminho da lâmina cortante. Foi igualmente antes de aprender uma quantidade de outras coisas sobre as minhas facas, coisas que podem fazer uma simples cozinheira em sua casa actuar como um chefe sofisticado.

A minha transformação começou quando tornei pública a minha intimidação. Como escrevi num artigo a gabar as minhas facas para bife de 15 centímetros, a faca de chefe fazia parte de um conjunto de um presente de casamento que tinha ficado a apanhar pó num bloco de facas sobre a minha banca da cozinha, porque eu não fazia ideia de como as utilizar. Em vez disso, dependia daquelas facas para bife para praticamente todas as minhas necessidades de cortar. Depois de o artigo ser publicado, o responsável das Relações Públicas da Zwilling J.A. Henckels Corp. entrou em contacto comigo com uma oferta: o chefe executivo da Henckels, Jeffrey Elliot, dar-me-ia uma aula particular.

Seis facas, cinco horas

Não é que eu não saiba cozinhar. Sou mais do que competente na cozinha, e aquelas facas para bife dão para manejar com agilidade e conseguem cortar seja o que for, desde uma chalota a um pequeno assado. Mas estou intrigada pela perspectiva de alargar o meu repertório. Ao fim e ao cabo, não é fácil utilizar uma faca para bife para cortar um pimento verde em juliana.

Elliot passou cinco horas a iniciar-me nas seis facas primárias do meu conjunto-padrão: a faca de chefe, a faca para legumes, a faca para pão, a faca para tomate, a faca para desossar e a faca de cozinha. Mas eu não fiquei por aí: o meu interesse foi espicaçado e, por isso, inscrevi-me para uma aula de três horas de destreza com facas, com o instrutor de chefes Brian Patterson, no campus de Gaithersburg (EUA) da L"Academie de Cuisine.

Vim a perceber que não sou a única cozinheira que existe que depende de facas para bife e ambos os instrutores pareciam frustrados com isso. Elliot queixou-se de que as suas lâminas de serrilha tinham como resultado deixar os alimentos com aspecto esfarrapado, e Patterson disse que eu dominaria muito melhor uma faca de chefe. Continuo a gostar das facas para bife, mas Elliot e Patterson convenceram-me a utilizar outros utensílios, em especial a faca de chefe.

Claro que o meu receio da faca de 20 centímetros era exagerado e baseava-se em ideias erradas. Não pertence usá-la para cortar os alimentos como quem anda a cortar mato. Pelo contrário, deve-se manter a faca rente à tábua de cortar e cortar ou fatiar com movimentos curtos numa área pequeníssima, deixando que a largura, o peso e o gume da lâmina façam a maior parte do trabalho.

Patterson chama à faca de chefe (também chamada faca de cozinheiro) o "burro de carga da cozinha". É utilizada para talhar, para cortar em cubos, para cortar em bocadinhos com a espessura de um pau de fósforo (juliana), para obter carne raspada e, ocasionalmente, para outros tipos de corte. A lâmina pode ter um comprimento que vai de 15 a 35 centímetros. A minha faca de chefe tem uma lâmina micro-serrilhada concebida para principiantes e, por vezes, ficava encravada em vegetais mais duros.

Por isso, pedi emprestada a faca de lâmina lisa de Elliot para perceber do que é capaz uma faca de chefe. Tenho de admitir que a faca dele tem vantagem sobre a minha faca para bife. Com um poder impressionante, a faca requer apenas um golpe tipo de guilhotina para fazer um corte completo. E o gume da lâmina permite-me obter pedaços com bom aspecto e todos do mesmo tamanho, o que assegura um tempo uniforme de cozedura. Quando criei fatias finas de abóbora amarela ou cortei cubos de pimento, fiquei tão satisfeita como se fosse um chefe num daqueles programas de culinária da televisão.

Mas a minha curva de aprendizagem tem sido íngreme. A faca de chefe é agarrada de forma diferente das outras facas. Tenho a certeza de que muitos cozinheiros experientes sabem tudo isto, mas eu fiquei surpreendida quando Elliot me ensinou a pegar-lhe: segurar firmemente o topo da lâmina entre o polegar e o indicador, mesmo à frente do cabo. Perguntei-lhe (duas vezes) se estava a falar a sério relativamente a tocar no metal. Fez que sim com a cabeça. Os outros três dedos agarram o cabo.

Dedos dobrados

A regra para segurar os produtos alimentares com a outra mão, a que guia, foi outra surpresa. Dobram-se os dedos em forma de garra, com "unhas para baixo, nós dos dedos para a frente", diz Patterson. Elliot sublinha que as unhas ficam um bocadinho metidas por baixo. Outro encontro estranho com a lâmina: alinhamo-la com os nós dos dedos médio e indicador da mão guia para colocar e estabilizar a faca na posição devida.

Com a faca de chefe, não se faz o movimento de serrar, para a frente e para trás, a que eu estava habituada com a faca para bife. Em vez disso, o movimento é para baixo e para diante. Elliot diz que a maior parte do contacto com o produto alimentar é com o terço de trás da lâmina, junto ao cabo. E a ponta da lâmina deve estar a tocar na tábua quando possível. Nos seus apontamentos das aulas, Patterson escreve: "A extremidade da frente da lâmina funciona como um eixo, um apoio, uma dobradiça, fixando a faca à tábua de cortar, estabelecendo um plano previsível de corte. Se a ponta da faca de chefe não está fixada na tábua de cortar, deve estar em vias de se fixar..."

Para praticar, comecei por cortar talos de aipo às fatias. A seguir, Elliot mostrou-me como cortar fora as pontas de uma batata e dar forma de rectângulo aos outros dois lados, cortando-os de modo a ficarem planos. Cortei então a batata ao comprido em fatias com uma grossura de seis a sete milímetros. Empilhei as fatias e cortei-as em palitos, que, por sua vez, pude reduzir a cubinhos para fritar.

O meu jogo de facas é um J.A. Henckels International Everedge Plus, para cozinheiros que não estão habituados a conjuntos sofisticados. As facas, que ou têm micro-serrilha ou serrilha normal, não podem ser afiadas, mas duram cerca de 15 anos, diz Elliot. As facas de lâmina lisa são mais aguçadas, mas precisam de ser mantidas usando um fuzil antes de cada utilização e devem ir ao amolador periodicamente.

A seguir à faca de chefe, diz Elliot, as peças mais importantes e úteis do meu jogo de facas são a faca para legumes e a faca para pão.

Aqui fica o que aprendi sobre o resto do conjunto: A faca para legumes parece uma faca de chefe em miniatura. Serve para descascar e cortar fruta e vegetais e, por vezes, é modelada para a função de picar ou cortar em cubos, diz Patterson. Elliot ensinou-me a usá-la para preparar morangos de forma muito bonita. Corte um morango ao meio, assente-o com o lado plano para baixo e coloque a ponta da faca logo abaixo do pedúnculo e no sentido do comprimento do fruto. Corte segmentos finos de cima a baixo, deixando o pedúnculo intacto. Pressione sobre o morango para que abra em leque.

Para que serve a serrilha?

As minhas facas para pão e para tomate têm a lâmina toda de serrilha, ao contrário das facas com micro-serrilha do meu conjunto. A serrilha inteira é melhor para cortar alimentos que são duros por fora e têm o interior macio, como pão ou fruta, sem os esmagar, diz Elliot. As facas de serrilha são igualmente indicadas para cortar massas e vegetais como a alcachofra ou a abóbora, de acordo com Patterson.

A faca para tomate faz realmente fatias de tomate mais finas e bonitas do que a minha faca para bife. Elliot sugere que utilize uma faca para legumes para tirar o caule numa peça compacta. Para cortar um pão, Elliot disse-me que usasse o máximo possível do comprimento da lâmina de 20 centímetros da minha faca para pão, de modo a minimizar o número de cortes, o que tem como resultado fazer menos migalhas e menos esforço.

As facas para desossar, como o próprio nome indica, são para separar a carne dos ossos. Elliot mostrou-me uma técnica para cortar um filete de peixe. Compre um peixe inteiro já amanhado. Coloque a faca logo atrás da cabeça e corte para dentro até atingir o osso. Então, vire a faca e use a ponta da lâmina para cortar e levantar a carne ao longo da espinha desde a cabeça até ao rabo. A seguir, pressione a faca ao longo da cavidade da barriga e separe a restante carne do lado oposto à espinha. Vire o peixe ao contrário e repita a operação. Retirar a pele é difícil e é algo que tenciono aprender quando já tiver mais prática.

A faca chamada simplesmente "de cozinha" é boa para cortar carnes frias e queijo, tudo o que pode servir para fazer sanduíches, diz Elliot. Dei por mim a agarrar na faca de 15 centímetros para muitos outros cortes necessários. É, afinal, o utensílio que mais se parece com a minha faca para bife.

A faca de cozinha é familiar e de confiança, como o meu velho Volvo. A faca de chefe continua a ser, para mim, tão exótica como um Maserati. Mas a minha confiança a utilizá-la aumentou e faço tenções de investir numa com a lâmina lisa. Elliot recomenda-me que agarre diferentes facas de chefe, quando a for comprar, para ficar com uma ideia de como as sinto na mão, uma espécie de test drive limitado. Existem muitas à escolha, desde europeias, mais maciças, até modelos asiáticos mais leves, de muitos tamanhos e feitios. Uma vez que assente na que é certa para mim, onde me levará ela? a

Exclusivo Público/ The Washington Post

Tradução de Rita Veiga - Dito e Certo

Sugerir correcção