Gémeos internacionais

Jonathan e Kevin Sampaio foram a Milão e quase não voltaram. O mercado queria mais uma dupla de gémeos manequins e encontrou-a nos portugueses que, desde 2007, desfilam e são fotografados para as melhores marcas. Continuam a ter uma paixão pelo Portugal Fashion e pela ModaLisboa, que arranca esta semana.

N ão é que terminem as frases um do outro, mas que pensam da mesma maneira, pensam. Jonathan e Kevin Sampaio têm 22 anos, são gémeos (como se houvesse dúvidas) e são das caras e corpos mais frescos da cena de moda internacional. Manequins desde os 17 anos, tiveram uma ascensão quase meteórica em apenas meses, semanas até. Desde 2007 que coleccionam nomes grandes de criadores internacionais no currículo. John Galliano, Giorgio Armani, Vivienne Westwood, Jean Paul Gaultier, Givenchy...Name dropping à parte, os gémeos de Felgueiras estão fartos de trabalhar. Não são os únicos modelos portugueses ou sediados em Portugal que funcionam bem em regime de exportação, mas como assinala a sua agência, a Central Models, estão entre aqueles que mais rapidamente chegaram às mais cobiçadas passerelles internacionais. Na semana de mais uma ModaLisboa, em que estarão presentes para os desfiles de vários criadores - salvo castings internacionais que os "roubem" -, Jonathan e Kevin disseram à Pública que, apesar de passarem grande parte do ano fora do país, adoram trabalhar em Portugal. "Gosto muito da ModaLisboa e do Portugal Fashion, são trabalhos que me dão muito prazer porque é o meu país e é do que eu gosto mais", explicou Jonathan Sampaio ao telefone a partir de Paris. A manhã tinha sido de castings e o telefone foi dividido entre os dois irmãos, conversadores e com alguns "Quando falo por mim é pelos dois" ou "É a mesma coisa" como salvaguardas ou comentários de fundo a perguntas sobre os seus gostos.
Os gémeos modelos portugueses pensam da mesma maneira, têm os mesmos gostos, o mesmo clube, as mesmas preferências. Poucas coisas os distinguem. "É normal", comenta Kevin, invocando a condição de parceiros desde o útero e a educação dada pela mãe: "O teu irmão é o teu melhor amigo e o melhor amigo do teu irmão és tu."
Esta é uma história no plural, a de dois manequins masculinos que, à semelhança do que se passa no mercado de modelos português, são aqueles que tendem a conseguir maior presença no meio no estrangeiro. Em Portugal, foram nomeados para o Globo de Ouro de Melhor Modelo no ano passado, mas foi um actor/modelo que recebeu a estatueta. Não são tão procurados quanto no estrangeiro, mas os clientes já os cobiçam.
O seu booker, Mário Oliveira, destaca a elegância dos gémeos como sendo um dos factores determinantes para o seu sucesso quase imediato quando foram apresentados pela primeira vez em Milão. E, acrescenta, o facto de serem muito profissionais fá-los ser cada vez mais bem acolhidos.
Em Milão aos 20 anos
Tudo começou com uma professora dos gémeos que, quando tinham 17 anos, enviou fotos de Jonathan e Kevin para a Central Models. Depois de um e-mail dos irmãos a apresentar-se à agência gerida por António Romano, "chamaram-nos passado uns dias", diz Jonathan. "Fomos com o nosso pai a Lisboa. Só tinha ido uma outra vez a Lisboa, na Expo-98. O Tó Romano recebeu-nos muito bem e inscreveram-nos no concurso Pantene, que vencemos em 2003."
Mas ainda era cedo. "Na altura tínhamos 17 anos, estávamos a estudar, também fazíamos desporto. A moda era um passatempo e não tínhamos muito tempo para ir aos castings. Depois, com 20 anos, estávamos na universidade e decidimos fazer uma pausa e surgiu a oportunidade para irmos para Milão", recorda Jonathan Sampaio. No final de 2006, terminado o período de desenvolvimento dos modelos, como uma "estufa" a preparar uma planta para a vitalidade e sucesso, a Central Models achou que estavam prontos para ser apresentados internacionalmente. A semana de moda de Milão foi o ponto de partida. E, de certa maneira, nunca mais de lá saíram. Actualmente passam "dez meses e meio em viagem", como explica Jonathan, só com paragens em Portugal para trabalhar na ModaLisboa e Portugal Fashion e para passar o Natal e as férias de Verão.
Uma das experiências de trabalho mais marcantes foi exactamente essa viagem a Milão há dois anos. "Chegámos a Milão em Janeiro de 2007, com um book que só tinha umas fotos de um teste fotográfico", lembra Kevin, com o irmão ao lado. "E vemo-nos no nosso primeiro desfile, da Dolce & Gabbana e a ser vestidos pelo Stefano [Dolce] e pelo Domenico [Gabbana]. Sair de Portugal sem nunca ter feito ModaLisboa e Portugal Fashion e chegar logo a Milão e começar com esse desfile foi agradável e uma surpresa", remata.
Jonathan Sampaio, por uma vez, destaca algo diferente do irmão. "O primeiro desfile que fizemos foi para a Dolce & Gabbana, mas a Versace foi no mesmo dia e foi um dos desfiles que nos deram mais prazer", diz, num plural já inconsciente. "Era uma marca que desde pequenino adorava e nunca imaginei poder vir a trabalhar para eles. Via muito os filmes da máfia e estavam todos vestidos à Versace", ri-se. "Para mim, se a moda acabasse ali, eu já estava feliz da vida."
Mas não acabou. Nessa primeira temporada, ainda fizeram a segunda marca da Dolce & Gabbana, a D&G e da DSquared2. Seis meses depois, na segunda época de desfiles, foram reservados com um contrato de exclusividade com a Dior Homme e fizeram apenas esse desfile. De então, só juntaram mais nomes ao currículo. Givenchy, Bally, Trussardi, Vivienne Westwood, Rykiel Homme, Kenzo, Donna Karan e, em Janeiro deste ano, em Milão, mais Dolce & Gabbana, mais Giorgio Armani, Emporio Armani (segunda linha da casa Armani), DSquared2, Trussardi e novamente Bally. Em Paris, onde estão agora a apostar, desfilaram para um dos mestres inquestionáveis da alta-costura, John Galliano.
Entre a passerelle e as produções fotográficas, ainda assim, preferem (ambos, claro está), a passerelle. "Adoro fotografia mas o que me dá mais prazer fazer é passerelle porque me sinto mais à vontade", explica Jonathan. "Na fotografia podes sempre repetir, mas na passerelle tem de estar tudo perfeito naquele momento e a responsabilidade é maior." O irmão só acrescenta aquilo que Jonathan tinha também deixado nas entrelinhas: "Há mais adrenalina."
No entanto, uma dessas situações que mais os desafiaram nestes anos de ascensão voraz nasceu de uma produção fotográfica para A Magazine, publicação semestral que tem como editores a cada número criadores de moda. Nesta sessão, fotografados por Karim Sadli, a edição pertencia ao director criativo da casa Givenchy, Ricardo Tisci. Os gémeos lá estão, sem roupas nem pruridos, enlaçados. "Nunca tinha feito fotos de nu e foi uma situação engraçada, puseram-nos à vontade e aí é que se consegue ver o profissionalismo dos manequins. E acabou por ser bem sucedido", recorda Kevin. Já foram fotografados para revistas essenciais do meio, da L'Officiel Hommes (França) à Arena (Reino Unido), passando pela Citizen K (França) e pela Têtu (França).
Inseparáveis em quase tudo
Os dez meses de trabalho não são só luzes, câmara e acção. "Toda a gente pensa que trabalhar em moda é fácil e que é um ambiente muito bonito, mas é um trabalho" exigente, ressalva Jonathan. "Quando se trabalha em moda tem de se estar sempre apresentável, com boa cara, boa pele. Estás a competir com milhares de manequins nos castings. Temos de estar sempre ao melhor nível possível. Deitar cedo, ter uma alimentação cuidada - não comer só McDonald's e Pizza Hut - chegar sempre a horas aos castings - a pontualidade é essencial - e ginásio, para estar em forma física. E tentar fazer desporto porque ajuda muito nos tempos mortos e para a forma física", enumera.
Adoram futebol e agora fazem também desportos de combate. Sempre na mesma equipa ou do mesmo lado, arriscamos nós. É que os irmãos são quase inseparáveis, mesmo no trabalho. O facto de serem gémeos, esse acontecimento genético, facilita e dificulta-lhes a carreira, dizem. Embora, obviamente e olhando para o seu percurso, estejam longe de estar descontentes ou prejudicados. "Às vezes pode favorecer, se um cliente está à procura de gémeos e de algo original", diz Kevin. "Mas acaba por prejudicar por vezes, principalmente nas campanhas, porque são dois manequins, dois cachets... Mas já fizemos algumas, tem corrido bem", desdramatiza. Só em 2008 fizeram campanhas para a Gianfranco Ferré e para a Mavi Jeans (em que foram fotografados por Oliviero Toscani, o mesmo das campanhas polémicas da Benetton). Nada mal, portanto.
"Muitas vezes tentam procurar-nos a solo, mas temos uma regra: ou levam os dois ou não levam nada", prossegue Kevin, o gémeo que tem um sinal acima do lábio que o distingue do irmão. Por que é que são um pacote? "Porque começámos juntos e acaba por ser a nossa imagem de marca. Há bastantes gémeos cá fora e acabam por trabalhar separados, mas agora os outros acabam por se juntar, acabam por fazer como nós" (risos). Ainda assim, já fizeram desfiles individualmente, duas vezes - para a Kenzo e para a Rykiel Homme.
Inevitavelmente na sua carreira, fazem lembrar outras duas pessoas bem-parecidas, com corpo de modelo e que são manequins desde 1997 - e continuam a desfilar. Os olhos de moda, dos produtores aos criadores, são olhos que não esquecem, especialmente gémeos. "O que é engraçado é que acabam sempre por dizer 'ah, portugueses, também havia uns gémeos, o Pedro e o Ricardo [Guedes, também agenciados pela Central Models]', falam muitas vezes neles. E nós todos contentes - acham que Portugal é muito bom com gémeos", brinca Kevin Sampaio.
Nascidos em Paris em 1986, têm 22 anos e cresceram em Felgueiras, para onde se mudaram aos cinco anos e que se tornou a sua terra, "sempre", consideram. Hoje Kevin costuma dizer: "Se passar pela Donna Karan na rua, ela de certeza que me cumprimentava". Já trabalharam com os criadores mais relevantes, o mundo da moda conhece-os. a

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