Inverno de contrastes

Foi pouco interessante a primeira noite da sexta edição do Portugal Fashion. Marcas e costureiros puseram os xailes e os cachecóis em lugar de destaque, Laetitia Casta não deslumbrou e a sobriedade das linhas dominantes constrastou com o festim colorido com que alguns criadores procuraram dar vida a colecções pouco inspiradas.

Golas altas, enormes cachecóis, capuzes, amplos xailes, elegantes écharpes. A avaliar pelas colecções anteontem apresentadas em Portimão, no primeiro desfile da sexta edição do Portugal Fashion, a moda para a próxima estação fria vai apostar em proteger da invernia a parte superior do corpo. Perante uma assistência encasacada por força do mau tempo algarvio - entre a qual se destacava a mulher do presidente da República, Maria José Ritta -, as marcas têxteis nacionais e os costureiros primaram, respectivamente, pela sobriedade e pelo desbragamento cromático. A Concreto, pela originalidade da coleção apresentada, a Jotex - com mais um trabalho de grande qualidade assinado por Luís Buchinho - e Isilda Pelicano foram as "griffes" que mais se destacaram, tendo a costureira do Porto sido bafejada por um rumor segundo o qual a "top-model" francesa Laetitia Casta havia reparado na sua colecção e prometido levar um dos seus modelos ao festival de cinema de Cannes. O seu desfile foi, refira-se, um dos mais aplaudidos da noite, embora a francesa, em cima da passarela, não tenha deslumbrado. Mas o rumor acabou por ser confirmado.Ancoradas em tons neutros (cinzas, beges, verdes-tropa, preto e branco), as colecções das marcas primaram quase todas pelo rigôr na confecção e pela sobriedade, constrastando as cores dominantes com pinceladas contrastantes de verde, laranja, grená e rosa. Com as fazendas, as malhas, as peles, o jeans e o caqui a ocuparem lugar de destaque, Ultimô, Flagrante, Tavar, Ráfia, a Scottwool e a Inspiro apresentaram colecções femininas e masculinas apostadas em continuar as tendências do último Inverno. A silhueta continuará a ser robusta, longilínea e pouco marcada, com as saias e os casacos a descerem bem abaixo do joelho. A impressão de que as saias curtas continuarão longe das ruas portuguesas foi reforçada pelo trabalho Sofia Almeida, que se estreou no Portugal Fashion.A Concreto protagonizou o primeiro momento de algum arrojo, com uma colecção de "streetwear" de malhas grossas combinadas com peles, profusamente colorida (verdes, laranjas, grená e rosas) e inspirada num universo "neo-hippie". Bolsos em abundância, apontamentos de velcro, xailes, longos cachecóis e sobreposição de peças marcaram um trabalho que assinalou a primeira incursão de Laetitia Casta pela passarela. O estreante Tiago Bateira deixou também uma boa impressão, igualmente com uma colecção feminina e masculina ancorada na contemporaneidade. A Bruno Belloni passou, pelo seu lado, uma imagem masculina irreverente assente em peças de corte clássico, em tons de cinza, castanho, verde e bege.Dando, como vem sendo hábito, lugar de destaque aos couros e aos tecidos tecnológicos brilhantes, Isilda Pelicano apostou no romantismo sofisticado que arrancou da plateia alguns "bravo!". Laetitia Casta passou um conjunto de micro-calção e top imitando pele de leopardo esverdeado, combinados com uma ampla gabardine, e um vestido de "mohair", tendo a colecção, em tons de verde e castanho, viajado pelos vestidos com apontamentos esvoaçantes e pelas transparências. Na primeira parte do desfile, apenas a Jotex apostou em mostrar um pouco mais a epiderme com um rigoroso trabalho de malhas pontuadas por estampados florais e de geometria abstracta. As saias e vestidos subiram, então, um pouco acima do joelho.Se a primeira metade da noite ficou marcada pela contenção, a segunda, totalmente dedicada ao trabalho de cinco costureiros, introduziu um verdadeiro delírio de cor. Paula Rôla reatou o desfile com uma colecção interessante em tons de verde, castanho e cinza, a qual, em termos de materiais, não trouxe grandes novidades, excepto pela insistência nos jogos de transparências. Saiu-se bem no trabalho de pormenor, nomeadamente nas falsas mangas que se transformavam em alças cruzadas atrás das costas.A partir daqui os olhos de quem assistiu aos desfiles foram bombardeados com uma verdadeira artilharia de cores berrantes. Dôres Osório deu primazia às peles e aos tecidos aveludados, Ana Paiva começou com um toque de ousadia sublinhada pelo acompanhamento musical ("Sex Bomb", de Tom Jones), com coordenados que mostravam uma mulher sexy com muita pele ao léu e contornos bem delineados, mas a colecção acabou por revelar-se desigual e algo incoerente. O Atelier de Costura introduziu um "look" difícil de definir, entre o bordel novo-rico e o universo das "cow-girls", em tons berrantes, com muitas rendas e transparências e um exagero de lantejoulas e brilhos de fancaria. Augustus não escapou aos lugares comuns da noite, com as écharpes e os xailes, a silhueta longilínea e as combinações de malhas e peles. Um vestido vermelho e longo, com apontamento geométricos de transparências, fechou a noite no corpo de Laetitia Casta.

Sugerir correcção