Consumidores que se opõem ao "telemarketing" são menos de mil

Ter a caixa de correio recheada de publicidade ou ser incomodado a qualquer hora com telefonemas a propor a compra de produtos ou serviços ("telemarketing") não é uma fatalidade. Desde 1999 que existe legislação (Lei nº 6/99, de 27 de Janeiro) que protege o consumidor contra as acções comerciais não solicitadas pelos cidadãos, mas os resultados práticos daquela iniciativa deixam muito a desejar.Comecemos pelo que diz a lei nº 6/99. Se a publicidade não é endereçada, o consumidor pode afixar um autocolante próprio na sua caixa do correio, manifestando inequivocamente o desejo de não continuar a receber os prospectos e outros materiais publicitários. Quando essa publicidade tem um destinatário concreto (publicidade endereçada), o consumidor deverá escrever para a Associação Portuguesa de Marketing Directo (APMD, Apartado 310, 2796-904 Linda a Velha) a manifestar essa vontade.No que se refere à publicidade telefónica, a lei estabelece taxativamente que ela é proibida sempre que forem utilizados sistemas automáticos com mensagens vocais pré-gravadas, a menos que o destinatário o autorize antes de ser estabelecida a comunicação. Acrescenta depois que quem não desejar receber publicidade pelo telefone - seja através de mensagens pré-gravadas ou com operador - pode inscrever o seu número de telefone em lista própria, também na APMD. A regra é a mesma para a publicidade por fax, isto é, ela está formalmente proibida, a menos que o destinatário a autorize. O diploma atribui ao Instituto do Consumidor (IC) a fiscalização e divulgação da lei e fixa os montantes das coimas aplicáveis.Quatro anos depois, constata-se que a lista de consumidores portugueses que declararam a sua oposição a estas práticas publicitárias é ridiculamente pequena, não ultrapassando o milhar de nomes. A APMD afirma manter essa lista permanentemente actualizada - é enviada trimestralmente em disquete às empresas que aderiram -, mas o número de subscritores também não é famoso: além das 36 empresas associadas na APMD, apenas mais duas viriam a aderir e, em ambos os casos, em consequência de "sustos" motivados por queixas de consumidores. Ou seja, existe um vasto universo empresarial à margem deste processo.Os poucos cidadãos que se deram ao trabalho de promover a inscrição na referida lista enganam-se se pensam ter a sua privacidade protegida das "ofensivas" publicitárias não solicitadas. Muitos deles continuaram a receber correspondência ou telefonemas de empresas e as caixas do correio com o autocolante continuam, em muitas situações, a ser inundados com prospectos.Para João Novais de Paula, secretário-geral da APMD, isso é consequência do modo como a lei foi produzida, sem um envolvimento adequado e coerente de todas as partes interessadas. As consequências estão à vista: todas as empresas que fazem "telemarketing" deveriam consultar previamente as listas de oposição (à correspondência, aos telefonemas ou a ambos), mas a verdade é que isso não acontece. "As empresas não sabem que essas listas existem ou acham que nada lhes acontece se as ignorarem", afirma aquele responsável, para quem as coimas previstas na lei "são a brincar".Margarida Moura, jurista da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco), denuncia por seu lado a ineficácia da lei e destaca as dificuldades ao nível da prova - é preciso apanhar alguém em flagrante delito junto à caixa do correio a distribuir publicidade para que a reclamação possa avançar com um mínimo de viabilidade.Acresce ainda o pouco esclarecimento dos próprios consumidores sobre esta matéria, pois são muito poucas as pessoas que até à data contactaram a Deco, mas nunca para darem conta de situações de violação da lei. Do lado do IC, finalmente, não há também notícia de qualquer processo de contra-ordenação.

Sugerir correcção