O país tem que perceber que a capital precisará sempre de mais investimentos

Gosta do projecto do novo Museu dos Coches e defende a intervenção prioritária na Baixa-Chiado

a Há dez anos era o principal rosto da Expo-98, hoje preside à Fundação do Centro Cultural de Belém. Acaba de ter a garantia de que os módulos 4 e 5 do CCB vão finalmente ser construídos, mas ainda não sabe se lhe garantirão um financiamento público a três, como reivindica. Extractos de uma conversa com um lisboeta, em que também se falou muito de Lisboa e da sua zona ribeirinha.O seu mandato acaba em Janeiro. Conta continuar?
Ainda não tinha pensado nisso. Não faço ideia. É uma decisão que depende do ministro da Cultura e de querer ficar. Faltam muitos meses...
Mas qual é a sua vontade, agora que acaba de ser publicado em Diário da República que os dois módulos que faltavam para concluir o CCB vão avançar?
Naturalmente que a possibilidade de concluir o Centro Cultural de Belém é uma condição importante na minha decisão. Mas a decisão mais importante é a do Governo, que decidirá se devo fazer outro mandato ou não. Se não for viável construir esses módulos, perde para mim significado permanecer.
Esses módulos não foram construídos porque, na altura, foram vistos como inviáveis. Hoje, a viabilidade passa por construir um hotel, mas já há outros dois hotéis a serem concluídos naquela zona. Isso não é problema?
Os pressupostos dos estudos de 1993 alteraram-se muito. Então apostava-se num investimento público, agora o pressuposto é libertar direitos de superfície para a construção de um hotel que ocupará o terreno virado ao Tejo, libertando meios para o outro módulo, onde será construído um auditório com 600 lugares (temos hoje apenas um de 1500 e outro de 300), uma biblioteca e uma pequena galeria de exposições.
Defendeu que o CCB também devia ter estabilidade no seu financiamento, que este devia ser a três anos e basear-se em novos estatutos. Que garantias tem?
Essa proposta de novos estatutos foi apresentada por mim à anterior ministra da Cultura, em Junho do ano passado, e já a reapresentei ao actual ministro. Mas, tratando-se de matéria tão delicada como o comprometimento de verbas a três anos, ele guardou de Conrado o prudente silêncio. Nem se esperaria outra coisa...
Mas é ministro desde Janeiro...
Para mim, o essencial é mudar os estatutos, não só nas fórmulas obsoletas, mas para garantir a tal estabilidade a três anos que permita apresentar um plano trianual de actividades.
Quando tomou posse ainda não estava fechado o acordo com a Fundação Berardo. Depois o museu veio para o CCB e este perdeu todo o espaço de exposições, que era o maior de Lisboa. Isso comprometeu o seu projecto?
A senhora ministra, quando me convidou, perguntou-me o que pensava sobre a instalação da colecção Berardo no CCB. Disse-lhe que era favorável dentro de determinados parâmetros, que depois foram formalizados em memorandos enviados pelo conselho de administração e assinados por mim. Qualquer deles defendia a coexistência de uma exposição permanente da colecção Berardo e a continuação de uma actividade de exposições temporárias por parte da Fundação do CCB. Não foi essa a decisão final, todo o espaço de exposições foi entregue ao Museu Berardo, e isso não foi fácil de gerir.
O Museu está aberto há quase um ano e continua a não cobrar bilhetes aos visitantes...
Isso é um aspecto interno da gestão da Fundação Berardo, sobre o qual não gostaria de me pronunciar.
Com o desaparecimento do espaço de exposições do CCB, Lisboa ficou sem qualquer equipamento que possa entrar no circuito das grandes exposições de arte contemporânea. Elas vão antes a Serralves, no Porto...
Já o disse, já o escrevi: Serralves é um projecto exemplar do que é uma programação virada realmente para aquilo que está a acontecer, para a arte verdadeiramente contemporânea - não vale a pena pensarmos que o Picasso ainda é arte contemporânea. A colecção Berardo é diferente, até porque, com núcleos melhores, com outros mais fracos, foi pensada para cobrir o século XX e já estamos no século XXI. Tem as suas lacunas, mas é única em Portugal, sempre o disse. Agora, não se sabe se a política de aquisições se dirigirá para cobrir lacunas ou se para ir acompanhando as tendências da arte que se está a fazer hoje.
A zona de Belém vai sofrer uma grande intervenção de requalificação, com a construção de um novo espaço para o Museu dos Coches. Já tem opinião sobre se é a intervenção correcta?
O Museu dos Coches é único à escala mundial e a qualidade do seu espólio exige um espaço que realce a colecção, pelo que a construção de um novo espaço faz todo o sentido. E julgo que será um motor importante de regeneração de toda esta zona, o que deverá acontecer, pois prevêem-se dois novos atravessamentos da linha de comboio, um só para peões, outro incluindo um corredor para bicicletas. Pelo que já se sabe, será muito positivo para qualificar mais esta área, para a tratar como um conjunto, prosseguindo algo que o CCB fez quando me apercebi das filas de turistas nos Jerónimos. Foi então que criei um programa de Verão pensando que, tendo ali o público, se podia pensar não apenas em levar os turistas a visitar aquele monumento, mas a passar o dia na zona de Belém e tendo actividades complementares. É o chamado "CCB fora de si", que até foi considerado de interesse turístico.
Não tem nenhuma reticência sobre o programa para esta zona?
Tenho: a transformação do actual espaço do Museu dos Coches em picadeiro, no século XXI, para mais no edifício onde está instalada a Presidência da República. Faz-me um pouco de confusão.
Na recuperação da zona ribeirinha parece haver um divórcio, ou um não-casamento, entre o Governo e câmara. Para quem esteve no projecto da Expo, como vê esta tensão?
Na Expo também houve tensões muito fortes. O que havia era vontade do Governo muito forte e um comissário-geral de enorme determinação, pelo que nunca será demais prestar homenagem a Cardoso e Cunha, sem o qual muitas das nossas ideias brilhantes não se teriam concretizado.
Com o "número dois" do PS à frente da câmara, não se esperaria que houvesse estas tensões...
Sim, mas as tensões muitas vezes partem da própria natureza do projecto. Basta olhar para a planta onde está desenhada a zona de intervenção para perceber a enorme quantidade de problemas diferentes que têm de ser resolvidos, quantos poderes e interesses instalados.
Qual devia ser a zona prioritária para se intervir?
Como lisboeta interessado, escolheria a Baixa-Chiado. Também é importantíssima a intervenção em Alcântara, quer na vertente urbanística e do tráfego, quer por causa dos problemas daquele vale.
Como vê então o projecto apresentado para as novas ligações ferroviárias, que prevê túneis precisamente numa zona em que há problemas de escoamento das águas da antiga ribeira de Alcântara?
Devo confessar que, de há alguns para cá, me tornei um pouco "tunelofóbico". Cada vez que me falam de um túnel, saco da pistola. O território de uma cidade é um equilíbrio muito delicado e instável, pelo que fico horrorizado quando me dizem que, em vez de se procurar resolver um problema à superfície, se pensa logo em escavar e fazer mais um túnel ou um parque subterrâneo. Fui militantemente contra o túnel do metro a passar no Terreiro do Paço.
Os de fora de Lisboa criticam a concentração de investimentos em Lisboa. Não têm razão?
Não. Os países têm de assumir que há uma cidade que é capital, o que é sobretudo duro para a segunda cidade. Há custos de capitalidade que derivam não só da dimensão de uma metrópole onde vive mais de quarto da população, como também das actividades que aí se concentram. Isto implica investimentos de outra dimensão, pelo que é demagogia criticá-los quando visam resolver problemas de qualidade de vida que são mais graves em Lisboa do que noutras cidades do país.

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