Uma solidão colossal

Um homem imolou-se pelo fogo e milhares de portugueses, talvez como nunca, protestaram na rua

Subitamente só, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho olha cá para baixo e descobre, "um pouco surpreendido", como admitiu há dias na RTP, que ninguém o compreende, ninguém lhe dá razão, ninguém acredita nas suas palavras.

O primeiro-ministro acredita. Não há "excesso de austeridade", não há "espiral recessiva" e não estamos nem dentro de "um túnel" nem metidos "num poço" - "isso não está a acontecer". O desemprego vai até, diz Passos, ser travado no imediato graças à Taxa Social Única.

Mas há um problema. Mesmo que o primeiro-ministro esteja certo e o futuro lhe dê razão - e cheguemos a 2014 com as contas públicas equilibradas, a economia mais competitiva e os portugueses menos pobres - Passos é hoje um primeiro-ministro a falar sozinho do alto da cordilheira. A sua solidão é colossal e vai além da natural solidão de quem está no poder. Vai até além da solidão de quem diz que está a dar passos seguros mas, em rigor e no seu íntimo, sabe que a economia não é uma ciência exacta e que pode vir a arrepender-se de tudo o que fez, com a humilhação e a responsabilidade que isso significa. A sua solidão é tão extrema que põe em causa a funcionalidade do país.

Dirão: Passos foi eleito pelos portugueses, que o escolheram conscientes da sua crença profunda na filosofia liberal da economia. Fomos todos avisados. Mas pode um primeiro-ministro trabalhar contra tudo e contra todos? Contra os trabalhadores e contra os patrões, contra os grandes empresários e os gestores de empresas minúsculas, contra os falcões e os fundadores do seu partido, contra a oposição grande e pequena, a esquerda, a direita e o centro, contra o parceiro de coligação no seu próprio Governo? E se pode agora, como está a acontecer, pode por quanto tempo? E se todos, afinal, estiverem certos e o primeiro-ministro errado? Que palavras terá, então, para nos dizer?

Passos ainda pode usar a solidão a seu favor. Algumas das melhores ideias da história surgiram, justamente, em momentos de profunda solidão. E não é preciso uma ideia genial. Basta abrir a porta ao diálogo e recuperar as pontes destruídas nos últimos dias.

Em 2009, pouco antes de ter sido eleito líder do PSD, Passos usava palavras diferentes. Na sua luta contra Manuela Ferreira Leite, argumentou que o PSD precisava de se "regenerar", de "capitalizar no descontentamento" dos portugueses e de "voltar a sintonizar-se com o país" - deixar de estar "divorciado" dos portugueses. Há dois anos, dizia de José Sócrates que havia "um desgaste de um primeiro-ministro como não há memória". Ontem igualou já esse score, uma palavra que o primeiro-ministro tanto gosta. Milhares e milhares de portugueses saíram para a rua, num belo sábado de fim de Verão, para dizer que basta. Pedro Passos Coelho tem de ouvir o que dizem.

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