Os bons velhos tempos

Depois da edição recente de um álbum ao vivo, os Violent Femmes regressam aos trabalhos de estúdio e assinam em "Freak Magnet" o seu oitavo registo de originais. Assustado com a meia-idade, o trio norte-americano carrega na electricidade e celebra a sua juventude e os bons velhos tempos de "Violent Femmes". Segue-se uma digressão portuguesa...

"'Freak Magnet' é o álbum mais eléctrico e acelerado que alguma vez fizemos. Não sei porquê, mas à medida em que nos aproximamos da meia-idade parece que fazemos tudo para evitá-la, como se tivéssemos medo dela. E o nosso novo álbum é o reflexo disso mesmo. Se quisesse caracterizá-lo, diria que é um pouco como quando nos olhamos ao espelho e descobrimos os primeiros cabelos brancos, e a primeira coisa que fazemos é correr pela casa fora que nem uns loucos à procura de uma maldita tesoura para os cortar. Como somos músicos, decidimos celebrar a nossa juventude, os dias de escola, os amigos 'freaks' e as brincadeiras perigosas, e a única forma de demonstrá-lo foi tocar alto e rápido. Sim, ainda somos crianças. Não, não é ilusão [risos]." Os Violent Femmes não são propriamente um grupo de benjamins castos e inocentes acabados de entrar no mundo devasso da profissionalização musical. Ou um bando de adolescentes patéticos que vão sem par para o baile universitário e sujam a roupa de "ketchup" à hora da refeição, como sugerem em muitas das suas canções sobre fracasso e rejeição. Ao fim de 20 anos na estrada a ensinar as verdades essenciais do rock'n'roll, Gordon Gano (voz e guitarra), Brian Ritchie (baixo) e Guy Hoffman (bateria e percussão) são hoje homens feitos e comprometidos com as causas da maioridade, mas que à imagem de muitos dos homens feitos deste mundo têm a ambição de voltar a ser tudo aquilo que foram no passado. "As gerações mais velhas", diz Gordon Gano, "sobretudo as mais conservadoras, têm aquela ideia estúpida e paternalista de que o mundo só sobrevirá com o seu governo. Para eles, os jovens são isto e são aquilo, mas esquecem-se de que o mundo só precisa do seu governo porque não corresponde exactamente àquilo que eles queriam que o mundo fosse. E porquê? Porque felizmente o mundo não é feito por eles. O mundo pertence aos jovens, para o bem ou para o mal." "Freak Magnet", o recém-editado oitavo álbum de originais do trio de Milwaukee, é um retorno às origens sardónicas e colegiais que fizeram dos Violent Femmes uma das primeiras grandes bandas alternativas norte-americanas. Contrariamente ao percurso recente da banda, marcado por sucessivas viragens estilísticas e pela assumida transposição de um imaginário que se iniciou na frustração juvenil para desaguar na moralização dos costumes, "Freak Magnet" é uma nova viagem ao coração sarcástico da juventude norte-americana, como já não se ouvia desde os bons velhos tempos da estreia com "Violent Femmes". Ainda assim, a electrificação sonora e um indesmentível pendor experimental demarcam-no daquele que permanece ainda hoje, ao fim de 15 anos de existência, como um ritual de passagem para sucessivas gerações de adolescentes espalhados por esse mundo fora. "O novo álbum é bem diferente de tudo o que fizemos até agora. Concordo com a ideia de que recuperámos com ele alguma da temática que explorámos no primeiro álbum, mas do ponto de vista sonoro é muito mais eléctrico e experimental. Esse lado não nos é estranho, uma vez que se trata de algo que costumamos fazer ao vivo, mas a verdade é que nunca o tínhamos feito em estúdio. Podemos ver nele uma transposição do nosso trabalho em palco para o ambiente de estúdio." Se o título das canções e as letras que as acompanham são reveladoras deste regresso ao lado mais sardónico da sua música - "All i want", "New generation", "Rejoice and be happy", "Mosh pit" e "I'm bad" -, os Violent Femmes não abandonam porém por completo as origens acústicas da sua obra e lançam-lhe novas sementes estéticas que nela injectam novas direcções e sentidos. É o caso de "A story", a faixa que encerra "Freak Magnet", uma colaboração entre o trio norte-americano e o francês Pierre Henry, um dos monstros sagrados da música electro-acústica, cujo arrojo experimental não encontra paralelo em nenhum dos momentos passados da banda. "Foi uma grande honra termos o Pierre Henry a trabalhar connosco", afirma Gordon Gano e a agitação ecoa na sua voz. "Conhecemo-lo através de um amigo comum de Paris, fizemos-lhe a proposta para trabalhar um dos nossos temas e qual não foi o nosso espanto quando ele a aceitou sem reservas. Inicialmente, a canção era um tema rock muito cru e depurado, apenas com voz, baixo e bateria, e o Pierre acrescentou-lhe toda aquela veia experimental, cheia de ruídos electrónicos estranhos e bizarros, apenas ao alcance de verdadeiros génios como ele. O tema é fantástico!" O trio norte-americano encontra-se entretanto em digressão pelos Estados Unidos, finda a qual parte para o continente europeu, onde ficará até inícios de Abril. Portugal não figura no roteiro de concertos que os Violent Femmes têm por agora agendados para a Europa, mas Gordon Gano desdramatiza a omissão e justifica aquilo que é afinal um caso singular de mútua correspondência afectiva entre a banda e o público português. "Portugal não foi esquecido, bem pelo contrário. O que se passa é que Portugal é um caso demasiado único para ser incluído numa digressão europeia. É um dos poucos países que visitámos insistentemente ao longo dos últimos anos e as reacções têm sido cada vez mais calorosas. As gentes, os locais, como eu adoro Portugal! E é por isso que regressaremos aí ainda este ano não para um, não para dois, mas para uma semana de concertos, até porque já fomos requisitados para isso. Há alguma banda estrangeira que alguma vez tenha feito uma digressão exclusivamente portuguesa?" Não, senhor Gano. "OK. Está prometido!"

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