UE mantém isolamento da Áustria

A cimeira de Lisboa está condenada a consagrar uma parte importante dos seus trabalhos à crise entre a Áustria e os outros países da UE: Viena pretende aproveitá-la para tentar um início de normalização das relações. Por agora, a intenção dos Catorze é manter as sanções. Mas ontem apanharam um primeiro susto, com a breve ameaça de bloqueio de uma decisão por parte de Viena.

As sanções decididas por catorze países da União Europeia contra a Áustria vão permanecer em vigor enquanto a "natureza" do partido de extrema-direita de Joerg Haider (FPO), no Governo em coligação com os conservadores, não for alterada. Esta posição foi assumida ontem por António Guterres na sua qualidade de presidente em exercício da UE depois de uma reunião com Wolfgang Schuessel, o seu homólogo austríaco, destinada a preparar a cimeira de líderes dedicada ao emprego, dentro de duas semanas, em Lisboa. Numa posição inédita, Guterres recusou-se a incluir uma deslocação a Viena no quadro da sua ronda pré-cimeira pelas capitais europeias, colocando Schuessel perante uma escolha entre dois males: deslocar-se a Bruxelas para ter a oportunidade de falar pessoalmente com o seu homólogo, ou ficar em Viena e sujeitar-se a trabalhar com uma mera "missão técnica" enviada pela presidência. Do ponto de vista de Lisboa, qualquer dos cenários constituía a forma de conciliar o cumprimento da decisão dos Catorze de congelar as relações bilaterais com a Áustria devido à presença do FPOe no Governo com a necessidade de assegurar a participação de Viena no funcionamento da UE. Para a Áustria, ambos ilustram o seu isolamento.Ao optar por se deslocar a Bruxelas, Schuessel quis demonstrar a sua boa vontade no processo de resolução da crise aberta com a sua decisão de se aliar ao FPOe para subir a primeiro-ministro. Mas Guterres, que tem afirmado que as sanções se manterão enquanto o FPO permanecer no poder, não fez ontem qualquer referência a esta condição, introduzindo uma ligeira matiz na posição dos Catorze. "O problema é a natureza do FPOe", afirmou, considerando-a contraditória com o conjunto de valores básicos da União Europeia (UE). "Em minha opinião, a questão é saber se o FPO será capaz de alterar a sua natureza", acrescentou. Com esta afirmação, o primeiro-ministro português deixou planar a dúvida sobre uma eventual aceitação do FPOe, caso os seus responsáveis reneguem definitivamente as suas posições contestadas, como o elogio do regime nazi ou a defesa da pureza da raça. O primeiro-ministro garantiu, no entanto, que não discutiu com o seu homólogo qualquer estratégia de saída para a crise: "Foi uma decisão assumida a catorze. Enquanto não houver algo de novo, não há notícias a este respeito."Schuessel, por seu lado, reconheceu que a normalização das relações a Quinze será demorada. "Não penso que possamos esperar uma solução rápida", quanto mais não seja "porque não é presidência que decide", afirmou. "Mas começámos um diálogo, era preciso um início, e agora temo-lo." O chanceler austríaco deixou contudo claro que espera um início de regresso à normalidade durante a cimeira de Lisboa, congratulando-se pelo facto de Guterres, que presidirá aos trabalhos, ter aceite incluir o debate da questão durante o jantar dos líderes. "Gostaria de relançar as coisas em Lisboa", afirmou Schuessel, lembrando que será a primeira vez que terá a oportunidade de se dirigir aos Quinze a esse propósito. "A União só pode funcionar, se os quinze Estados-membros participarem de pleno direito e em igualdade no diálogo", afirmou. Considerou que "não se pode distinguir o plano bilateral do europeu". "As sanções são uma discriminação contra os direitos dos austríacos", são "iníquas, desproporcionadas, contraproducentes e minam os fundamentos europeus"."O nosso Governo não fez nada que seja contrário ao tratado da UE", disse Schuessel. Observou, de resto, que tem feito mais do que o anterior executivo na defesa dos princípios europeus, nomeadamente ao iniciar o processo de indemnização dos trabalhadores forçados do III Reich, ao aprovar um novo programa de austeridade compatível com o pacto de estabilidade para o euro ou ao procurar reforçar os direitos das minorias étnicas do país. "Faço-o por convicção íntima, não por pressão", precisou. "[Mas] não nos querem ouvir", queixou-se. E observou que o seu Governo "não pode ser julgado com base em preconceitos".Para Schuessel, "enquanto estas medidas durarem, será difícil assegurar um bom funcionamento da União". Um primeiro exemplo foi dado pelo seu ministro das Finanças, à laia de aviso, durante a reunião dos Quinze que decorria em paralelo: pretextando que não fora consultado pela presidência, Karl-Heinz Grasser afirmou que não estava em condições de aceitar a nova candidatura europeia - o alemão Horst Koehler - para o cargo de director-geral do FMI.Esta ameaça de bloqueio que, a concretizar-se, teria deitado por terra os esforços da UE para manter o cargo nas mãos de um europeu, provocou uma reunião de emergência entre Schuessel, Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia, Pina Moura, ministro das Finanças português que presidia aos trabalhos, Hans Eichel, o seu homólogo alemão, para além do austríaco. O susto foi de curta duração, já que os austríacos acabaram por ceder. "Não houve qualquer crise", declarou posteriormente Pina Moura. "O ministro austríaco, assim como os outros catorze, apoiaram a candidatura." O episódio forneceu, no entanto, um antegosto da capacidade de bloqueio da Áustria num eventual cenário de represálias devido à manutenção das sanções.Schuessel afirmara porém pouco antes que não tem qualquer intenção de assumir uma postura de bloqueio à semelhança da adoptada pelo Reino Unido, em 1996, para protestar contra o embargo europeu resultante da doença das vacas loucas. "A minha resposta - afirmou, quando confrontado com essa possibilidade - é um não bem claro."

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