O Portugal monárquico

Estreia hoje a "Crónica do Século", uma ambiciosa série documental da RTP que conta a História de Portugal dos últimos 100 anos. O relato do primeiro episódio começa nos finais do século XIX, com a crise do Ultimato, e prolonga-se até 1910 com a proclamação da República.

"Pensavam que passar da Monarquia para a República era uma coisa do outro mundo". É com este testemunho dado na primeira pessoa que arranca o primeiro episódio da "Crónica do Século", intitulado "O Ultimato e a crise da Monarquia (1890-1910)". Numa primeira fase, são 13 episódios que procuram relatar a História de Portugal do século XX, por ordem cronológica dos acontecimentos.Do Ultimatum aos Governos de Cavaco Silva e António Guterres, a "Crónica do Século" construiu-se através de depoimentos de historiadores, de testemunhas que viveram os acontecimentos ou participaram neles de forma activa, e recorrendo a imagens não só dos arquivos nacionais como estrangeiros. Participaram 12 jornalistas que contaram com a colaboração dos historiadores António Telo e Fernando Rosas. O primeiro episódio, assinado pela jornalista Margarida Metello, recorre aos depoimentos de quatro historiadores - Oliveira Marques, Veríssimo Serrão, Fernando Catroga e Manuel Villaverde Cabral - bem como a testemunhas da época. Recupera ainda imagens inéditas do rei D. Carlos. A narração dos acontecimentos começa em 1890, ano em que a Inglaterra, um dos mais velhos aliados de Portugal, fez um ultimato, exigindo que o governo português retirasse dos territórios africanos. Para o historiador Oliveira Marques "hoje acredita-se que o ultimato era um bluff", mas o governo de então cedeu às pressões de Londres, provocando manifestações de patriotismo. O retrato social do país também não era encorajador. A população vivia ao sabor da instável produção agrícola. Como diz José Ferreira Andrade, que nasceu em 1890, na aldeia de Fornos de Algodres, "não havia o que comprar nem havia dinheiro". As culpas de todo o mal são atiradas para a monarquia, personalizada pelo Rei D. Carlos. O movimento republicano utiliza os jornais como instrumento político. São abundantes e incisivas as caricaturas políticas publicadas na altura, uma solução a que muito recorreu a produção deste primeiro episódio, devido à natural escassez de imagens televisivas da época. É ainda em 1890 que um grupo de revoltosos do Porto proclama a República, mas o movimento é esmagado e os seus líderes são julgados e condenados. Toda a instabilidade política e social fazia cair os Governos monárquicos que alternavam entre os progressistas e os regeneradores. O Rei era um homem que, nas horas livres, gostava de pintar, caçar e de estudar os oceanos. Mas as suas opções políticas do final do reinado dividem os historiadores. Se para Oliveira Marques, D. Carlos "por natureza era um autoritário", já para Veríssimo Serrão o monarca "nunca pensou em ser ditador. O que D. Carlos queria era que a ordem constitucional fosse assegurada durante o tempo de uma legislatura".Com o virar do século, surgiram sinais de modernidade como o telefone ou a electricidade e o desenvolvimento de alguma indústria, mas mantinha-se a miséria, os baixos salários e as más condições de trabalho. Situação propícia à propagação das ideias republicanas. Os comícios organizados pelos republicanos encantaram o escritor José Gomes Ferreira, quando criança, que mais tarde escreveu: "Adorava aquela berraria de revolução débil". Como a taxa de analfabetismo atingia os 75 por cento, os republicanos fundaram a universidade popular e dedicaram atenção ao ensino, todo ele controlado pela Maçonaria. Desta organização nasceu uma outra, a Carbonária, que, através de rituais de iniciação, abriu as portas aos homens até se tornar num "exército de civis que assegurou o triunfo da República em 1910".Em 1908 ocorre mais uma revolta republicana em Lisboa, que fracassa, e no mesmo ano o Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro são assassinados em Lisboa por homens da Carbonária. O regicídio é descrito através das notas do irmão do Rei, D. Manuel, que sobe ao trono aos 18 anos. O jovem monarca ainda tenta inverter a situação política, mas "é demasiado tarde". Os republicanos ganharam eleitorado. Sem relatar, em detalhe, os acontecimentos do dia 4 e 5 de Outubro, o documentário serve-se antes de testemunhas que ainda recordam o momento em que foram dados muitos "vivas à República".

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