Como se entrevistam as ESTRELAS

Não é possível hoje entrevistar as grandes estrelas de cinema a não ser num colectivo de centenas de jornalistas. No mundo dos press junkets vale tudo para conseguir uma resposta. Por Ana Machado

Abre-se a porta da suite do mais luxuoso hotel de Nova Iorque. Mas podia ser em Londres, Barcelona, Paris. As luzes acendem-se. O cenário, montado com recurso a uma imagem em retroprojecção, transporta-nos para uma varanda com uma vista da China rural. Um Tom Cruise sorridente espera para ser entrevistado. Este é o sonho de qualquer jornalista. Mas tudo se esvai assim que o assistente do actor grita. "Tem três minutos". É preciso ser rápido e ter sorte para conseguir o melhor possível. Especialmente porque a estrela está cansada e porque há mais uma dezena de jornalistas à espera do outro lado da porta. Bem vindo ao mundo dos press junkets.Procura-se no dicionário o significado de junket e o que se encontra é festa, excursão. É isso que hoje são as entrevistas de grandes estrelas. As distribuidoras organizam tudo - e pagam tudo. Juntam largas dezenas de jornalistas de todo o mundo num hotel. Larga-se o protagonista do filme do momento numa sala onde proliferam os blocos de notas e os microfones e uma babel de línguas. Noutro cenário amontoam-se os fotógrafos para as previsiveis photo op (as "oportunidades de fotografia").
As entrevistas, feitas aos atropelos, no meio de produtores, cabeleireiros, maquilhadores, nem sempre são originais, nem sempre são honestas. Muitas vezes há perguntas tontas. Há interesses de todo o tipo. Estão lá os jornais generalistas. Mas também os tablóides e as revistas cor-de-rosa. Pergunta-se de tudo. Quando é que eles casam, como é que emagreceram. Perguntam sobre o filme, sobre a carreira. O resultado é uma mega-promoção do filme e do actor, sem a qual a indústria do cinema já não passa.
Há 20 anos que Mário Augusto, hoje jornalista da SIC, entrevista estrelas de cinema para a televisão portuguesa. Começou na RTP, em 1986. "Antes havia mais tempo para entrevistar e não havia cenários sofisticados. A entrevista era feita nas suites de hotel, sem mais nada". Lembra o jornalista, que refere como hoje tudo é mais sofisticado: "Na apresentação do Polar Express [de Robert Zemeckis, com Tom Hanks] até nevava no quarto do hotel."
Sujeitas a uma maratona de perguntas, as estrelas de cinema nem sempre colaboram. Mas Mário Augusto não recorda muitos episódios desagradáveis em 20 anos de experiência: " Normalmente os actores são simpáticos porque são pagos para andar um mês e meio pelo mundo a distribuir sorrisos depois da estreia de um filme". E revela uma das regras: "Não temos de nos esforçar a fazer perguntas metafísicas sobre cinema. O pessoal gosta é de palhaçada", diz o jornalista que já fez mais de duas mil entrevistas. "E são os actores que têm de brilhar."
"O exclusivo já não existe", diz Vitor Moura, jornalista da Rádio Comercial. É ele a voz que se ouve, há três anos, na noite dos Óscares na TVI. A trabalhar para rádio, imprensa e televisão, Vitor Moura está sempre a viajar de um lado para o outro. E explica que, dependendo do meio, os procedimentos da entrevista são diferentes: "A entrevista de televisão é a mais mediática, mas é o formato mais limitado. Em média temos cinco a seis minutos, já me aconteceu ter apenas três minutos, para fazer perguntas. Às tantas temos a entrevista programada e não conseguimos o resultado desejado".
Para rádio e imprensa o processo é mais informal e mais longo. Mas também mais confuso. "Se por um lado a TV é melhor porque nos permite estar sozinhos com o entrevistado, a imprensa dá mais tempo". Mas há truques que têm de se conhecer para conseguir um melhor trabalho. "As estrelas estão mais descontraídas e temos cerca de 30 minutos para falar. Mas podemos estar dez jornalistas numa mesa redonda com o actor. Eu faço questão de não estar calado. Mas há jornalistas que não abrem a boca. E há muitas perguntas idiotas".
Para conseguir fazer um bom trabalho, há que, mais uma vez, saber algumas manobras: "Devemos tentar não apanhar jornalistas do mesmo país na mesma mesa. E procurar jornalistas com o mesmo tipo de interesses. Torna-se tudo muito difícil quando os vários jornalistas escolhem ângulos diferentes".
Como fugir à tentação de usurpar uma boa pergunta, com respectiva boa resposta, ao colega do lado? Vitor Moura afirma que não é fácil: "O modo como foi conseguida a entrevista deve estar logo no arranque do texto. Se o Vitor Moura esteve em Los Angeles e conseguiu falar com o Tom Cruise junto com um grupo de jornalistas, faço questão de deixar isso claro". Mas confessa que já apanhou perguntas suas assinadas por outros jornalistas,.
Helen Barlow, jornalista colaboradora do PÚBLICO, é freelancer e trabalha para várias publicações em todo o mundo. Há 20 anos que faz press junkets, especialmente durante festivais de cinema. E frisa que o mais importante é a honestidade intelectual do jornalista e conhecer bem o entrevistado: "Tem de se ser honesto com o leitor e fazer o trabalho de casa. E temos de ter em conta quem são os jornalistas que nos rodeiam". Para Barlow, é cada vez mais difícil fazer boas perguntas, mesmo porque há cada vez menos oportunidades para as conseguir colocar. E preocupa-a a falta de preparação de alguns jovens jornalistas: "O pior das entrevistas colectivas é que há muita gente jovem, pouco profissional, deslumbrada".

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