Sobre Olivença

Há quem, no que toca à discussão de problemas relacionados com a questão de Olivença, acuse a Espanha de "abertura" e os polemistas portugueses de estreiteza de pontos de vista. Esta "imagem", repetida até à exaustão, encontra eco mesmo em meios portugueses... que chegam a proclamar que é Portugal que não quer discutir seriamente o litígio de Olivença, em contraste com os meios espanhóis, que, além de artigos, até publicam livros sobre o tema. E bastantes.Há aqui uma evidente confusão entre qualidade e quantidade. Com raras excepções, os livros e artigos espanhóis contêm quase sempre argumentos que, se analisados com um mínimo de seriedade, se revelam quase ridículos. Refiram-se alguns dos mais comuns e menos consistentes, deixando outros de maior ponderação para outras análises.
Assim, ouve-se dizer que a reclamação de Olivença por Portugal não é feita na ONU, nem por um departamento oficial do nível, por exemplo, do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), mas sim por uma "misteriosa" instituição chamada Comissão Internacional de Limites (CIL). Este argumento, quase hilariante, acaba por revelar-se ofensivo, pois a CIL é um departamento oficial do MNE, a ele subordinado. Não se deixando isto bem claro, pressupõe-se que existe no Estado português um departamento que tem actividades subversivas, funcionando à margem do conjunto ministerial/governamental.
Muitas vezes é dito que a reclamação de Olivença é sustentada apenas por "doidos" e "chanfrados", o que leva à curiosa conclusão de que desde 1815 a diplomacia portuguesa tem sido sustentada por malucos. Um argumento que parece estar a tornar-se mais e mais vulgar é o de que, em 1297, pelo Tratado de Alcañices, a "Espanha" foi "enganada" e Olivença passou a ser um território espanhol ocupado por Portugal até ser libertado, em 1801, e voltar, de certa maneira, à pátria-mãe.
Por esta lógica, Olivença quase se transforma numa ocupação abusiva que durou quase 600 anos. Tudo isto é ridículo, e por várias razões. Para começar, a definição de fronteiras de 1297 foi mútua, e livremente consentida, depois de inúmeros conflitos anteriores entre Portugal e Castela (e não Espanha, que não existia...). Em segundo lugar, Olivença era então uma aldeia. Após Alcañices, tratado em que se viram envolvidas várias povoações, houve troca de populações, e a fronteira estabilizou-se. Só então cresceram os povoados em clima de paz e foi dada carta de foral a vários, entre os quais Olivença. A Espanha não colocou a terra das Oliveiras nos seus domínios durante a União Ibérica (1580-1640), e sabe-se que, na Guerra da Restauração, a população local abandonou em massa a localidade quando esta esteve ocupada (1657-1668). (...)
De qualquer forma, o argumento da "recuperação" de Olivença por Espanha em 1801 leva a que se usem termos como "reintegração", "regresso" e outros de igual carga simbólica e patrioteira. (...) E, como que em cumplicidade, alguns historiadores e comentadores portugueses não hesitam, quando escrevem sobre a Guerra das Laranjas de 1801, em dizer que Olivença se perdeu então "para sempre". Bastaria que se informassem um pouco melhor para ficarem a saber que é uma posição oficial do Estado português que Lisboa não considera o assunto encerrado e que encara Olivença como território legalmente português!
Argumenta-se também que a União Europeia pôs fim a tais questões. Para além de ser evidente que não é assim que Espanha encara a questão de Gibraltar, realce-se também que está excluída uma outra lógica: a de que a criação da União Europeia, pela sua própria natureza, que tanto se apregoa ser democrática, abre caminho para uma resolução pacífica para este tipo de problemas. Assim é defendido a propósito do Ulster (Irlanda do Norte), do Tirol do Sul (Itália/Áustria) e de outras situações pontuais.
Outra opinião muito ventilada consiste em afirmar que Olivença era um enclave português em terras de Espanha. E, na verdade, assim era um pouco. Todavia, não era o único... e existem enclaves espanhóis rodeados por terras de Portugal. Basta pensar em Cedillo, não longe do Tejo, que parece separar os distritos lusos de Portalegre e Castelo Branco. Por outro lado, há muitas maneiras de observar uma fronteira irregular. Também se podiam encarar Cheles e Alconchel, até 1801, como enclaves espanhóis entre as regiões portuguesas de Olivença e Moura.
Este argumento é, pois, uma triste actualização da geopolítica da primeira metade do século XX, doutrina que serviu às mil maravilhas os expansionismos mussoliniano e hitleriano, que consideravam ser seu dever lógico anexar territórios que punham em causa a continuidade geográfica da Itália e da Alemanha. De notar que essa continuidade geográfica era interpretada muito "livremente"... (...)
Carlos Luna
Estremoz

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