Críticas ao negócio do press clipping já chegaram ao Governo

Empresas de recortes de imprensa estarão a causar perdas de vendas e não pagam direitos de autor

As preocupações de alguns jornais nacionais sobre as consequências financeiras do negócio da comercialização de recortes de imprensa já chegaram ao ministro da tutela, Augusto Santos Silva. São inquietações financeiras directas, devido à quebra de vendas e de audiências, mas também indirectas, já que as empresas se apropriam de produção intelectual pela qual deveriam pagar direitos de autor, defendem os representantes dos media.A Martim Avillez Figueiredo, director do Diário Económico, com quem se reuniu, o ministro ter-se-á afirmado "sensível" ao tema, que prometeu analisar. "Estamos em busca de uma posição concertada entre os vários jornais diários", diz Figueiredo, que já reuniu o apoio do concorrente Jornal de Negócios e do PÚBLICO, e pretende também juntar ainda o Diário de Notícias e o Expresso. "Mais do que a questão da possível quebra nas vendas, há ali uma apropriação de trabalho e uma ilegitimidade na falta de pagamentos de direitos de autor". A Impresa, por exemplo, está à espera do parecer que pediu à Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa).
Recentemente, a Associação de Editores de Diários Espanhóis afirmou que estima que o "rombo" provocado pelas empresas de clipping nos jornais ronde os 45 milhões de euros por ano, além de uma quebra de três por cento nas vendas. No caso português, tanto a Associação da Imprensa Diária (AID) como a APImprensa - que representa os restantes títulos - desconhecem quanto valerá o negócio. E as empresas do ramo contactadas pelo PÚBLICO também afirmaram não saber o peso do mercado em que se mexem.
João Palmeiro, presidente da APImprensa, diz que já pediu à associação espanhola informações sobre como esta chegou a tal valor. "Ou o negócio total é de 45 milhões, ou é a multiplicação do número de pessoas que lê os recortes pelo que gastariam se comprassem os jornais. Ou então podem ser já contas com uma taxa, que os editores pensam justa, a cobrar pelos direitos de autor", descreve o responsável.
Em toda a Europa, apenas no Reino Unido e em alguns estados federados alemães se sabe quanto vale o negócio do clipping.
As duas associações portuguesas defendem a cobrança de direitos de autor às empresas de clipping porque os conteúdos dos jornais são propriedades das empresas editoras e a sua reprodução sem autorização dos próprios jornais configura "uma violação dos direitos de autor". João Palmeiro realça que é preciso "um enquadramento da actividade", que pode até ter que passar pela revisão do Código dos Direitos de Autor, que é omisso na sua designação de "revista de imprensa" (ver texto ao lado).
"A Portugal Telecom tem cerca de 6000 trabalhadores e era expectável que a nossa entrevista ao ex-presidente Horta e Costa tivesse algum impacte nas vendas. Só que 60 por cento dos quadros da PT receberam-na no computador", descreve o director do DE para quem "o clipping torna a leitura de um jornal em papel dispensável". O processo afigura-se longo. Será preciso um estudo sobre o negócio do clipping, o número de leitores e respectivo consumo de imprensa. A solução? "É impossível ter um pagamento por recorte. Talvez uma espécie de taxa sobre direitos de autor ou de propriedade", diz Figueiredo. "Não tenho dúvidas sobre a mais-valia das análises que essas empresas fazem, mas não entendo que se possa subsistir à conta do investimento de outros com digitalizações e fotocópias."

"Clipping dá notoriedade aos jornais"
As empresas visadas pelas críticas dos jornais recusam as críticas de usurpação de trabalho intelectual e acreditam que os seus serviços "dão notoriedade aos jornais". "Não é por ter um clipping na empresa que quem gosta de jornais deixa de os comprar. São negócios que não se canibalizam", diz Humberto Fernandes, responsável de marketing da Fax Informe, acrescentando que o serviço "faz chegar os jornais a mais pessoas".
Maria Emília Guimarães, da Recorte, afirma que compra uma dezena de cópias de cada título porque "recorta mesmo o papel do jornal" e acredita que "não tem que haver rivalidade porque o mercado chega para todos". A Manchete, uma subsidiária da Novabase, defende que mais do que clipping, faz análise de media e considera que cumpre a lei dos direitos de autor em todas as cláusulas que lhe dizem respeito.

Sugerir correcção