Demissão de Palocci no Brasil agita os mercados

Guido Mantega é o novo ministro das Finanças. Real desceu mais de 2,5 por cento face ao dólar e mercado bolsista também caiu

O ministro brasileiro das Finanças, Antonio Palocci, pilar da política económica do país desde 2003, foi substituído por Guido Mantega, antigo ministro do Planeamento, depois de se demitir segunda-feira à noite, na sequência de uma crise provocada pela quebra ilegal do sigilo bancário de uma testemunha da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos. Os mercados ficaram nervosos (ver caixa ao lado).Em carta enviada a Luiz Inácio Lula da Silva, Palocci pediu para ser afastado com o argumento de que a sua "permanência (...) não mais contribui para o avanço da obra do Governo". O Presidente recusou afastá-lo - o que resguardaria Palocci de intimações e indiciamentos - e exigiu a demissão.
Antonio Palocci reiterara que não teve "nenhuma participação, nem de mando, nem operacional" na violação do sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa. Este é o caseiro que contra ele testemunhara a 16 de Março na CPI dos Bingos, acusando-o de frequentar uma casa onde, alegadamente, o Partido dos Trabalhadores (PT, no poder) organizava festas com prostitutas e preparava pagamentos de mesadas a deputados de outros partidos em troca de apoio no Congresso às propostas do Governo.
Palocci garantiu ainda a Lula não ter tido envolvimento na divulgação pública dos dados bancários de Francenildo - facto que, mais do que a presença do ex-ministro na chamada casa do lobby ligada ao escândalo do "mensalão", contribuiu para a sua queda. Antonio Palocci, trotskista nos tempos da faculdade, foi até há dias o mais digno de confiança, e por isso o mais indispensável, dos ministros de Lula.

Factor de estabilidadeConhecido por manter a cabeça fria e ter pulso firme, o médico de barba cerrada e discurso ciciante costurou com paciência um rumo económico, controlou a inflação e as despesas públicas e manteve os mercados a salvo das ingerências dos burocratas.
Em pouco tempo Palocci emergiu como um dos principais pilares não apenas da governação de Lula mas também da recuperação económica do Brasil, oferecendo uma estabilidade e credibilidade financeira desconhecida há mais de duas décadas.
A situação precária de Palocci - que Lula tudo fez para segurar até ao fim-de-semana - passou o ponto sem retorno com o depoimento prestado à Polícia Federal pelo presidente da Caixa Económica Federal, Jorge Mattoso, instituição de onde saiu a informação bancária do caseiro. Num testemunho considerado "explosivo", Mattoso disse que entregara o extracto de Francenildo a Palocci: o mesmo documento que seria publicado na revista Época a 20 de Março, alegadamente facultado pelo assessor de imprensa de Palocci, Marcelo Netto. Este também se demitiu também na segunda-feira.
A Folha Online introduzia ontem a hipótese de o Ministério Público poder mover uma acção contra o ex-ministro, para o responsabilizar civil e criminalmente pela quebra ilegal do sigilo bancário (crime punível com um a quatro anos de prisão). À semelhança, aliás, do que aconteceu com Jorge Mattoso que, na segunda-feira, saiu da Polícia Federal já na condição de indiciado no "caso Francenildo", pouco antes de apresentar demissão da presidência do banco estatal.
Toda esta crise lançou Lula numa empreitada de fôlego por toda a noite de segunda-feira, na tentativa de evitar uma debandada geral na equipa de Palocci, altamente creditada junto dos investidores e dos mercados, depois de também o secretário-geral do ministério, Murillo Portugal (homem forte das políticas fiscais) ter pedido demissão.
A maior repercussão da saída de Palocci estará nas preocupações sobre como será conduzido economicamente um hipotético segundo mandato de Lula da Silva. A apenas seis meses das eleições de Outubro, a demissão de Palocci é faca de dois gumes: dá à oposição munições para focar a mira directamente em Lula e deixa o Presidente órfão do seu grande mentor de política económica de sucesso.

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