Austeridade provoca queda do Governo de Haia

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Mark Rutte fica em gestão até às próximas eleições

Extrema-direita rejeitou plano de austeridade. Reacende-se a crise do euro

O feitiço virou-se contra o feiticeiro: a Governo holandês, um dos mais duros da zona euro contra os países endividados, como Portugal e Grécia, caiu ontem, devido a um desacordo interno sobre um plano de austeridade destinado a permitir-lhe cumprir as regras orçamentais europeias.

Mark Rutte, primeiro-ministro liberal, apresentou ao princípio da tarde a demissão do Governo à rainha Beatriz, que lhe pediu para permanecer em gestão até à organização de eleições, que deverão ser marcadas para Julho ou Setembro.

O pedido de demissão não fez mais do que consumar a ruptura constatada no sábado entre os dois partidos (liberal e conservador) da coligação governamental e o partido de extrema-direita xenófobo e anti-europeu de Geert Wilders, que assegurava a maioria parlamentar do governo desde a sua formação em Outubro de 2010.

Wilders bateu com a porta depois de sete semanas de negociações intensas entre os três partidos sobre um plano de austeridade de 16 mil milhões de euros destinado a permitir ao país reduzir o défice orçamental para 3% do PIB em 2013, depois de uma derrapagem inesperada para 4,7% do PIB no ano passado.

O resultado projectado para 2013 foi o objectivo assumido pelo Governo com os parceiros europeus ao abrigo das novas regras de reforço da governação e disciplina orçamental da zona euro adoptada no quadro dos esforços de resolução da crise da dívida soberana.

Wilders, que milita pela saída do Holanda do euro, alegou que não aceita cortar despesas públicas e pensões de reforma apenas para cumprir as "imposições de Bruxelas", ou seja, da Comissão Europeia.

Bruxelas lembrou, no entanto, que Haia foi uma das capitais mais activas e exigentes nas negociações entre os Dezassete países do euro para o reforço da governação da zona euro. "Confiamos em que o Governo holandês prosseguirá os seus esforços para fazer adoptar as medidas não para agradar a Bruxelas, ou para ganhar votos em eleições, mas porque é benéfico para a economia e para o bem-estar dos cidadãos", afirmou um porta-voz da Comissão.

O parlamento holandês deverá debater a situação hoje à tarde e clarificar, nomeadamente, como é que conta cumprir a obrigação imposta a todos os países europeus de apresentar até 30 de Abril a Bruxelas os seus planos orçamentais para o ano seguinte.

A queda do Governo holandês priva Angela Merkel, chanceler alemã, de um dos seus principais aliados (com a Finlândia) na cruzada que tem travado desde o início da crise da dívida grega para impor uma cultura de disciplina na zona euro e acabar com o endividamento público. Jan Kees de Jager, o ministro holandês das Finanças, considerado o falcão entre os falcões, tem sido o governante mais duro de toda a zona euro nas críticas e exigências à alegada "irresponsabilidade" da Grécia, tendo chegado a defender, nomeadamente, que a gestão da política económica do país fosse transferida para Bruxelas.

Os juros da dívida pública holandesa, geralmente considerada tão segura como a alemã, subiram ontem, o que, segundo os analistas, traduz o receio dos investidores sobre o fim do consenso europeu sobre a resolução da crise da dívida e mesmo sobre os riscos de propagação da crise da periferia para o centro da Europa. Receios estes alimentados igualmente pela perspectiva de eleição do socialista francês François Hollande nas eleições presidenciais de 6 de Maio.

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