Acordo entre militares guineenses e partidos prevê transição de dois anos

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Em Bissau, as escolas e os bancos continuavam ontem fechados, mas o quotidiano vai ganhando aparência de normalidade SEYLLOU/AFP

Depois da União Africana, ontem foi a vez de a Organização Internacional da Francofonia suspender a Guiné-Bissau. Golpistas recusam devolver poder ao primeiro-ministro detido Carlos Gomes Júnior

Um acordo entre os militares e alguns partidos, onde se inclui o principal movimento da oposição - o PRS de Kumba Ialá - foi alcançado ontem à tarde, uma semana depois do golpe de Estado.

O "acordo para a estabilização" do país foi anunciado por um dirigente do PRS (Partido da Renovação Social), Artur Sanhá. Este acordo estipula a dissolução do Parlamento e um período de transição de dois anos. Segundo os próprios signatários, o seu cumprimento prevê que seja respeitada apenas parte da Constituição guineense.

Muitos ministros e representantes de movimentos da sociedade civil da Guiné-Bissau continuavam ontem em fuga, as escolas e os bancos estavam encerrados, e apenas uma parte do comércio abriu em Bissau.

Na capital, medem-se forças entre os golpistas que detêm o poder, mas estão ameaçados de sanções internacionais, e os representantes do PAIGC, que dirigia o país até ao golpe de 12 de Abril.

Estes pedem um regresso à legalidade em termos semelhantes aos que são exigidos pela ONU, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e Organização Internacional da Francofonia, que ontem suspendeu a Guiné-Bissau como país-membro depois de na véspera a União Africana ter feito o mesmo "enquanto a ordem constitucional não for restabelecida".

O PAIGC rejeitou "qualquer solução de transição", denunciou buscas às casas de responsáveis do partido e exigiu que "todas as instituições dissolvidas" pelo Comando Militar "sejam restabelecidas e devolvidas aos seus antigos titulares".

O secretário-nacional do PAIGC, Luís Olivares, falava à AFP e referia-se ao Presidente interino, Raimundo Pereira, que assumiu o cargo depois da morte por doença do Presidente Malam Bacai Sanhá, e ao próprio primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, líder do partido e candidato mais votado na primeira volta das presidenciais cuja segunda volta estava prevista a 29 de Abril.

A CEDEAO, que a partir de hoje terá uma missão técnica em Bissau, comprometeu-se a encontrar uma solução constitucional para a crise, o que, para a comunidade internacional e o PAIGC, passa pela normal continuação do processo eleitoral e a libertação dos presos políticos; e ofereceu-se para substituir com uma força regional as forças angolanas em Bissau para iniciarem uma reforma das Forças Armadas guineenses - que implicaria uma redução de 12 mil para três mil efectivos, segundo a revista Jeune Afrique.

Interesses coincidentes

No entender da Exclusive Analysis, empresa especializada em informações para medir riscos de investimento em diferentes partes do mundo, o golpe da semana passada foi motivado pelo descontentamento provocado por uma tentativa do primeiro-ministro de usar a presença militar angolana para reforçar a sua posição e enfraquecer os militares guineenses.

Angola, por seu lado, deverá querer garantir os projectos que tem no país - de desenvolvimento de uma mina de bauxite na região de Boé e da construção de um porto de águas profundas em Buba, escreve ainda a Exclusive Analysis, que acrescenta que estes projectos estariam garantidos com a permanência de Carlos Gomes Júnior no poder.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas analisa hoje em Nova Iorque a situação na Guiné-Bissau e o pedido da CPLP para aprovar um mandato para uma força de interposição, enquanto, no país, a missão da CEDEAO se depara com uma interpretação de "regresso a uma ordem constitucional" pelos golpistas que exclui totalmente o regresso de Carlos Gomes Júnior e de Raimundo Pereira aos cargos que ocupavam.

Carlos Gomes Júnior e Raimundo Pereira estão detidos sob custódia dos militares golpistas, em local incerto. Ao contrário do primeiro, já visitado por uma equipa local do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Raimundo Pereira ainda não foi.

Contactado em Dacar, o porta-voz do CICV, Dénes Benczédi, disse ao PÚBLICO que "não tinham tido acesso" ao Presidente interino. Negou que tenha havido uma "recusa" dos militares, mas não esclareceu o motivo da não realização de uma visita solicitada. "Não houve recusa, simplesmente não é fácil. Leva tempo chegar às pessoas que nos podem dar esse acesso", acrescentou sem especificar onde estão presos os dois responsáveis e se estão juntos.

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