O Nobel que o regime de Pequim tentou esconder

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A medalha e o diploma atribuídos a Liu foram deixados na cadeira vazia SCANPIX NORWAY/REUTERS

Cadeira vazia na entrega do Prémio da Paz a Liu Xiaobo. Televisões estrangeiras transmitidas na China ficaram com os ecrãs negros

Quando em Oslo começou a cerimónia de atribuição do Prémio Nobel da Paz ao dissidente Liu Xiaobo, os ecrãs das televisões estrangeiras difundidas na China ficaram a negro, notou a AFP. Os sites de diferentes media estiveram também ontem bloqueados e as palavras "cadeira vazia" e "Oslo" foram censuradas na Internet - o regime de Pequim não se poupou a esforços para que o acto passasse despercebido.

Sem a presença de Liu, nem de qualquer familiar ou representante, a cerimónia de entrega do Nobel da Paz de 2010 fica marcada pela imagem de uma cadeira simbolicamente vazia - sobre a qual foram colocados a medalha e o diploma que o académico preso teria recebido, se tivesse podido deslocar-se à capital norueguesa. Mas também pela ausência de cerca de duas dezenas de representantes de países convidados.

Não se confirmou o prognóstico do regime de Pequim, que anunciara o boicote de uma "vasta maioria" e nisso jogou a sua influência, ameaçando com "consequências", segundo as notícias que deram conta de pressões.

Mas Rússia, Afeganistão, Arábia Saudita, Argentina, Cuba, Egipto, Paquistão, Venezuela, Irão e Iraque foram alguns dos que declinaram o convite "por razões diversas", de acordo com o Instituto Nobel. As ausências foram condenadas pelo polaco Lech Walesa, Nobel da Paz em 1983. "A atitude desses países, designadamente da Rússia, mostra o que pensam realmente da liberdade e dos direitos do homem", comentou à AFP.

Foi perante a cadeira vazia, e junto a um enorme retrato de um sorridente Liu que o presidente do Comité Nobel, Thorbjoern Jagland, se referiu ao activista chinês, figura destacada do movimento de Tiananmen e um dos autores da Carta 08, um texto que reclama a democratização da China. O académico foi também tornado presente pela voz da actriz norueguesa Liv Ullmann, que recuperou declarações suas após a condenação, no ano passado, a 11 anos de prisão.

"Liu não fez mais do que exercer os seus direitos cívicos. Ele não fez nada de mal", disse, ao referir-se ao académico condenado por "subversão do poder do Estado". Os convidados presentes no edifício da câmara municipal de Oslo - entre os quais o casal real da Noruega e a presidente cessante da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi - irromperam em aplausos quando Jagland referiu que o dissidente "deve ser libertado".

"Muitos perguntarão se, apesar do seu poder actual, a China não manifesta uma certa fraqueza, por considerar necessário aprisionar um homem durante 11 anos pelo simples facto de ter exprimido as suas opiniões sobre a forma como o seu país deve ser governado", afirmou também o presidente do comité, num discurso marcado por recados ao regime liderado pelo presidente Hu Jintao. "Liu disse à sua mulher que gostaria que o Prémio da Paz deste ano fosse dedicado às "almas perdidas do 4 de Junho [de 1989, data da mortífera repressão de Tiananmen]". É um prazer para nós cumprir o seu desejo", disse ainda.

O Presidente norte-americano e a chefe da diplomacia europeia subscreveram o pedido de libertação. "Os valores que defende são universais, a sua luta é pacífica e deve ser libertado o mais depressa possível", disse Barack Obama, Nobel da Paz no ano passado. Menos enfática, Catherine Ashton reiterou o apelo "à sua libertação imediata".

À cerimónia de Oslo assistiram algumas dezenas de chineses no exílio. "Sinto-me muito contente, porque agora toda a gente conhece Liu Xiaobo e este prémio é uma grande honra para ele. Mas muito triste porque ele não está aqui para o receber", afirmou, citado pela Reuters, Lu Jing Hua, um amigo de Liu.

"Teatro político"

No centro da cidade, porém, cerca de meia centena de chineses, segundo a AFP, manifestaram-se contra a atribuição do prémio. "Criminoso = laureado com o Nobel da Paz?!" ou "O Nobel da Paz para a China!!!", podia ler-se em cartazes. A Amnistia Internacional acusou esta semana as autoridades chinesas de "pressão" sobre os seus cidadão residentes em Oslo para que protestassem, uma alegação negada pelos manifestantes.

Na China, para além de terem bloqueado a difusão de informação, as autoridades intensificaram, segundo a Reuters, o policiamento de pontos-chave de Pequim, incluindo a Praça Tiananmen e o apartamento de Liu, onde se supõe que a mulher, Liu Xia, esteja sob prisão domiciliária. Mas isso não impediu que, segundo a AFP, pelo menos uma centena de pessoas se tivessem concentrado frente às instalações locais das Nações Unidas, a pretexto do Dia Mundial dos Direitos do Humanos, ontem assinalado.

Pequim - que acusa o Comité Nobel de representar os interesses dos países do Ocidente - manteve o tom com que se tem referido à atribuição do Nobel ao "criminoso" Liu, qualificou a cerimónia de ontem como uma "farsa política" e aludiu a uma mentalidade de "guerra fria".

"Este género de teatro político jamais fará vacilar a determinação do povo da China no caminho para o socialismo de características chinesas", refere um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros. "Opomo-nos firmemente a qualquer tentativa de países ou indivíduos para utilizarem o Prémio Nobel da Paz para se ingerirem nos assuntos internos da China e invadir a sua soberania judicial", refere o comunicado lido pela porta-voz Jiang Yu e citado pela AFP.

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