Bernanos no Brasil

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Georges Bernanos embarcou para a América do Sul em Julho de 1938, enojado com o clima que gerou os acordos de Munique e com a falta de fibra dos políticos franceses. Partiu para o exílio para poder escrever em liberdade, para exercer em liberdade a sua trovejante indignação. Combatente da I Guerra, Bernanos era um patriota que sabia que não basta amar a liberdade, mas que é preciso lutar por ela. Os seus abundantes escritos de guerra são testemunho de uma luta incansável.

O escritor ainda esteve na Argentina e no Paraguai, mas rapidamente assentou arraiais no Brasil. Levava consigo a mulher e os seis filhos. Não era rico, mas era célebre entre as pessoas cultas, que tinham lido Sous le Soleil de Satan (1926), La Joie (1929) ou Journal d"um Cure de Campagne (1936). A elite brasileira, francófona e francófila, acolheu-o com generosidade e afecto. Em pouco tempo, Bernanos criou amizades fraternas com jovens quadros da revolução liberal de 1930, com intelectuais católicos, com figuras influentes como o magnata de imprensa Assis Chateaubriand, que logo o contratou como colunista dos seus jornais. Amigo dos seus amigos, Bernanos não era, porém, um diletante. Ele não vinha em fuga, vinha em combate.

Porém, o romancista não quis ficar entre as elites. Manteve correspondência com esses amigos, e encontravam-se algumas vezes, mas escolheu o campo em vez da cidade. Viveu em Pirapora, Minas Gerais, e depois, no mesmo estado, na Fazenda Cruz das Almas, Barbacena. Disse que preferia ser "vaqueiro" a ser literato. Vivia modestamente, isolado, a escrever e a cuidar da terra e do gado, e acompanhava as terríveis notícias do mundo através de um radiozinho. Os textos de Bernanos desta fase, sobretudo o esplêndido diário de guerra Les Enfants Humiliés (só editado em 1949), opõem repetidamente as trevas europeias de 1940 e a natureza edénica e selvagem do Brasil.

Bernanos tinha militado no nacionalismo católico da Action Française, mas afastou-se dos seus companheiros políticos aquando da Guerra Civil de Espanha, que ele considerou uma barbárie que nenhuma "guerra santa" justificava. O que mais o preocupava agora era o avanço dos totalitarismos, tanto o fascista como o comunista. Bernanos abominava a abdicação de Vichy e a bota nazi, mas também sabia que do outro lado havia um inimigo poderoso. Invertendo Lenine, chamava ao comunismo um estádio avançado do capitalismo, uma espécie de capitalismo de Estado. Os seus escritos brasileiros atacam o esmagamento das liberdades mas também denunciam ameaças futuras, como a tecnologia e a especulação financeira.

A cólera de Bernanos, um homem sempre implacável com os imbecis, era acompanhada de sentimentos de esperança incontida. Foi por isso que em 1942 reagiu com acidez ao suicídio de Stefan Zweig, outro escritor exilado, pois via nessa atitude uma desistência condenável. Bernanos estava também pessimista, mas a sua experiência brasileira contrariava esse negrume, e ele queria acreditar nessa esperança. Os brasileiros, desde a independência, eram discípulos da França das liberdades, e continuavam fiéis a essa inspiração antiga. Por isso, Bernanos e os seus amigos fizeram campanha em jornais e nos meios diplomáticos para que o Brasil se pusesse ao lado dos Aliados, o que veio a acontecer, embora tardiamente. E foi também no Brasil que Bernanos se livrou das réstias de anti-semitismo, e escreveu um elogio de Souza Dantas, embaixador brasileiro em França que protegeu os judeus. Bernanos percebeu, em terras brasileiras, que a mestiçagem era um trunfo e um triunfo, e que o mulato tinha sido um fenómeno civilizacional: a invenção de um povo apostado numa vida decente, contra todas as dificuldades.

Uma dessas dificuldades era a natureza, nesse país vasto como um continente, e ainda inóspito em muitas zonas. As cartas e artigos de Bernanos estão pejados de referências à vida no sertão, e não se trata de cor local. A paisagem que o rodeava não era apenas um cenário, mas ganhava uma dimensão moral. As veredas alagadas, os vastos campos verdes, o capim alto, as chuvadas torrenciais, a terra seca ou fértil, por todo o lado o romancista via um mundo agreste e prodigioso. Bernanos disse que aprendeu a gostar do Brasil com as elites do Rio e com o povo de Minas Gerais. Os camponeses despertavam a sua costela camponesa, achava todo aquele esforço comovente. Encontrara enfim um país que não estava acomodado, um país em construção. Cansado e triste, cheirava a humidade da noite tropical e sentia-se estranhamente em casa. Por isso disse que chegou ao Brasil envergonhado e que partiu orgulhoso.

De Gaulle mandou chamá-lo no fim da guerra, embora Bernanos não quisesse quaisquer favores (dispensava cargos, desprezava as Academias, e recusou três vezes a Legião de Honra). O regresso não foi feliz. Bernanos morreu em 1948, aos sessenta anos, desiludido com os novos tempos. Tinha lutado pela liberdade, e via que a liberdade reconquistada estava refém das máquinas e do dinheiro, que ele abominava. Na pátria que deixou e à qual regressou, Georges Bernanos conheceu a desesperança. Só viu a luz da esperança, fugazmente, do lado de lá do oceano, sob o sol do exílio.

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