A arte autodestrutiva de Gustav Metzger

EXPOSIÇÃO em Viena, áustria

A Fundação Generali mostra História História, de Gustav Metzger, uma retrospectiva que revela uma obra em permanente desejo
de colapso

Há cerca de um ano, o nome de Gustav Metzger ganhou uma inesperada visibilidade quando uma empregada de limpeza da Tate Britain, em Londres, deitou fora um saco de lixo que integrava a instalação Nova Recriação da Primeira Demonstração Pública da Arte Autodestrutiva, a cópia de um trabalho produzido pelo artista em 1960. Este facto despertou o interesse por uma obra que sempre habitou as margens da arte actual. Na Fundação Generali, em Viena, Áustria, a mostra retrospectiva História História, comissariada por Sabine Breitwieser, celebra este autor, colocando-o, definitivamente, entre os nomes mais significativos da criação artística contemporânea.No seu primeiro Manifesto da Arte Autodestrutiva, de 1959, Gustav Metzger proclama que esta nova categoria é, antes de tudo, "uma forma de arte pública para as sociedades industrializadas". E acrescenta que as pinturas, esculturas e construções autodestrutivas têm um tempo de vida que varia entre um breve instante e os vinte anos: "Quando o processo de desintegração fica completo, a obra é removida do seu sítio e destruída". Nesse texto seminal, o artista, nascido em Nuremberga, Alemanha, em 1926, sublinha ainda que quem realizar trabalhos segundo o método proposto por si pode, para esse fim, não só pedir a colaboração de cientistas e engenheiros, mas também usar maquinaria e tecnologia fabril.
Num célebre registo em filme, apresentado no início da exposição, observa-se o artista protegido por uma espécie de máscara de gás e por um capacete, no South Bank, junto ao Tamisa, em Londres, durante a realização de Acid Nylon Painting, uma acção na qual vai corroendo com ácido um tecido - superfície para uma pintura - até este ficar destruído. Estava-se então no início da década de sessenta, mais precisamente em 1963, e Metzger começava a minar as convenções de um sistema artístico então dominado por outras figuras, como Lucian Freud, Francis Bacon, Richard Hamilton ou mesmo Antony Caro. O ataque ao sistema capitalista, ao mercado da arte, era o principal objectivo deste enigmático criador.
Anos antes, no segundo Manifesto da Arte Autodestrutiva, o artista proclamava que "um homem em Regent Street é autodestrutivo", que "os foguetes, as armas nucleares são autodestrutivos". E prosseguia, num estilo que evoca os manifestos futuristas de Marinetti: "A arte autodestrutiva reencena a obsessão pela destruição, a agressão à qual os indivíduos e as massas estão sujeitos"; "a arte autodestrutiva espelha o perfeccionismo compulsivo do fabrico de armas - o polimento até ao ponto de destruição".

Uma obra hipnótica, psicadélica
Na exposição da Fundação Generali, o espectador é desde logo atraído pelas luzes e cores de uma obra hipnótica, psicadélica, reconstruída propositadamente para a ocasião: Liquid Crystal Projections, uma obra criada em meados da década de sessenta, que também foi usada durante um concerto dos The Cream, em Londres - uma outra figura da cena pop-rock, o guitar trasher Pete Townshend, dos The Who, considerava mesmo Metzger o seu "mestre". Foi na capital inglesa que, em 1966, o artista organizou o hoje mítico Destruction in Art Symposium (DIAS), um acontecimento geracional no qual foram revelados fora do seu país, a Áustria, os accionistas vienenses, por exemplo.
O percurso expositivo na fundação vienense inclui abundante documentação para se compreender as diversas dimensões de um trabalho que vive num permanentemente desejo de colapso: Metzger promove uma política da recusa, condimentada com preocupações ecológicas e utópicas lutas. Em 1974, o artista chega a propor uma greve da arte, de 1977 a 1980, de modo a minar o sistema: "Os anos sem arte assistirão ao colapso de muitas galerias privadas. Museus e instituições culturais serão severamente atingidos, sofrerão perda de fundos e terão de reduzir o seu pessoal. Instituições oficiais de âmbito nacional e local serão gravemente afectadas. As revistas de arte irão à falência".
A mostra termina com a apresentação da série Historic Photographs, criada na segunda metade dos anos noventa e a partir da qual o artista procura questionar as relações entre o público e uma série de acontecimentos extremos documentados pelos media. Impedindo ou dificultando o confronto do espectador com a imagem original - e aqui pode ver-se, desde logo, uma crítica ao voyeurismo -, Metzger propõe ainda uma meditação acerca da História e do modo como esta é legada aos vindouros. Em Viena, debaixo de um pano, invisível, mas ali, entre outros conflitos, um testemunho do Anschluss, em 1938.

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