A cozinha está na moda e os programas de televisão de culinária também

a Para fazer um bom programa de culinária, os ingredientes essenciais de Henrique Sá Pessoa são os "frescos e saudáveis". O chef da RTP2 e do restaurante do Hotel Sheraton, em Lisboa, é o cozinheiro da televisão, dos livros e da chalota. A chalota, uma planta da família do cebolinho, é quase uma imagem de marca do chef. "Já tenho uma alcunha por a usar tanto nos meus programas e já vieram ter comigo nos supermercados para me dizer que desde que tenho o programa a chalota vende muito mais". O programa Entre Pratos, apresentado e confeccionado por Henrique Sá Pessoa e com convidados conhecidos a cada semana, tornou-se um pequeno fenómeno de audiências na RTP2. Já vai na terceira temporada e "é quase um clássico" da estação, segundo Jorge Wemans, director de programação do canal. Desde a estreia, em 2006, foi crescendo nas audiências e chegou a conseguir shares históricos para a nova RTP2, de 19,6 por cento (Fevereiro deste ano), mantendo um share médio de 6,6 por cento, de acordo com dados da Marktest.
Agora, o Entre Pratos é também um livro que compila as receitas do programa, nas livrarias desde dia 7. "Hoje vejo muito os cozinheiros como uma marca", disse ao P2 na apresentação do livro, editado pela Presença. Os programas de televisão, os livros, até os DVDs (também previstos para o Entre Pratos) de culinária, encabeçados por cozinheiros famosos, são formas de expandir essa marca e também uma via de dois sentidos.
"Nos últimos cinco anos houve um boom, a cozinha está na moda e é saber aproveitá-la", na perspectiva da carreira de um chef mas também para ajudar as pessoas, que se "preocupam cada vez mais com o que comem e como comem, não só no aspecto estético mas também de saúde". Ao fazer um programa de televisão de culinária, Henrique Sá Pessoa considera que não só está a ensinar o público a diversificar a sua alimentação com ingredientes e receitas acessíveis, mas também que isso "também ajuda a nossa gastronomia a desenvolver-se".
No ano passado o livro de culinária de Jamie Oliver, o famoso cozinheiro britânico, esteve no topo da lista dos livros mais vendidos e oferecidos no Natal, além de ter uma estadia semanal na SIC Mulher com Oliver"s Twist. Há poucos anos, o programa da RTP Na Roça com os Tachos, de José Bento dos Santos, foi outro fenómeno de popularidade televisiva e livresca.
O segredo da TV culinária
O que cativa os espectadores a acompanhar a rapidez de Oliver, o exotismo de Bento dos Santos, as calorias e colesterol das britânicas Two Fat Ladies ou os concursos de culinária contra-relógio Ready, Steady, Cook (ambos passaram no cabo, na BBC Prime, há alguns anos)? Herman José, que na década de 1980 criou no Tal Canal o Cozinho para o Povo, inspirado na "tia televisiva" Filipa Vacondeus, que com Maria de Lourdes Modesto marcou uma era de culinária televisiva, confessa que "na altura, a cozinha estava longe de ser uma paixão".
Mas hoje, além de ser proprietário de um restaurante, é "fã do Jamie Oliver pela sua desenvoltura" e tira "o chapéu à passagem do José Bento dos Santos pela RTP 1", que apelida como o ""professor José Hermano Saraiva" da culinária". E considera que "cozinhar é um acto de inteligência", telegénico pelo "cromatismo dos materiais" e sobretudo porque o acto de cozinhar está "associado a momentos agradáveis".
O prazer, para Alfredo Saramago, pós-graduado em História da Alimentação e autor de vários livros sobre a gastronomia portuguesa, não pode ser dissociado do facto de a alimentação ser "um imperativo de vida". Mas, admite que, "se se puder juntar o prazer a um imperativo de vida, esse prazer é redobrado". Já o chef Luís Baena, presente na apresentação do livro Entre Pratos, acrescenta mais um item à lista - o entretenimento. "As pessoas gostam de ver programas de corridas de Fórmula 1 e não estão a pensar em pilotar aqueles carros, gostam de ver coisas que têm algum entretenimento e um programa de cozinha é algo multidisciplinar".
Alfredo Saramago não segue qualquer programa de cozinha português, por considerar que não têm qualidade nem mostram saber, mas opina que acompanhar os programas culinários na tv é também um acto de revelação, de saber mais. "As pessoas gostam de saber como trabalham os cozinheiros, os segredos dos chefs", diz o autor, secundado por Luís Baena, que considera que parte aliciante destes programas é "mostrar as compras dos profissionais, os golpes que fazem os chefs". "O desvendar de uma maneira de fazer é muito importante. A cozinha sempre se rodeou de um certo secretismo, já vem do facto de as famílias não revelarem as suas receitas. Isso perdurou e hoje há sempre o prazer da descoberta da receita, de desvendar esse segredo", defende Alfredo Saramago.
O público vê culinária na televisão "também para aprender a cozinhar", diz Alfredo Saramago, que ressalva que não há mais pessoas a assistir a programas do género porque lhes falta qualidade. Henrique Sá Pessoa acredita que é importante, à luz da filosofia do seu programa - que organiza por temas como "jantar de arrependimento", para servir à namorada depois de uma discussão, ou "amigos vegetarianos", com propostas para oferecer aos convidados que não consomem produtos animais - , que os programas deste género entusiasmem as pessoas e que as incitem a ir para a cozinha. Saindo da rotina que identificava ao observar os consumidores no supermercado, presos aos ingredientes do costume, "dos lombinhos de porco à segunda, do frango à terça, da pescada à quarta e do bacalhau à quinta".
Um bom programa de cozinha faz-se, então, da "capacidade e a arte do comunicador, essenciais", na opinião de Herman José, mas também, como aponta Alfredo Saramago, da "ligeireza do processo" e sobretudo de o cozinheiro "não ter horror ao silêncio". É que, acrescenta, "qualquer programa pode ser interessante, mesmo sobre um ovo estrelado". "Até um arroz de manteiga pode ser uma boa história", afirma, desde que se conte a sua história e se mostre o seu papel na história da alimentação, dos produtos e da mesa.

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