[Sinal de espera...]
— Estou sim?
— Estou
a falar
com o
Nuno
Sousa?
— Sim.
É o próprio.
— Olá,
muito boa
tarde.
— Boa tarde.
— Eu chamo-me
Pedro
Rios.
Eu sou
jornalista.
Estou a
ligar do
jornal
PÚBLICO.
— Ah sim, sim.
— Estou a telefonar
por causa
do depoimento
que enviou
para
a nossa
página
especial
sobre
o aumento do
custo de vida.
— Hum, hum.
— O Nuno
envia-nos
uma história
sobre a
sua pequena
vinha
familiar.
Onde é
que ela
fica?
— Ah.
A minha
vinha
fica
numa localidade
da freguesia
do Pinhal
Novo.
Portanto,
concelho
de Palmela,
distrito
de Setúbal.
Eu
comecei com
uma breve
história
daquilo
que tem
sido o
impacto
no meu
trabalho
normal.
Isto
se calhar
era daquelas
coisas
de que toda
a gente falava
e achei
interessante
dar ali
um
input
sobre
uma
realidade
que é
a questão
dos
produtores.
Portanto,
os
aumentos
dos preços
dos adubos,
dos pesticidas,
de
todo esse
tipo de
fitofarmacêuticos
aumentou
bastante.
No entanto,
nós
vendemos
a
uva
toda
e
a
adega
está
a pagar
o mesmo
preço.
Nalguns
casos,
até menos.
E o vinho,
quando
nós compramos
no
supermercado
está
muito
superior.
Isto
não é
um caso
novo.
Não é
um caso
novo da
parte
do produtor
ser
- desculpe
a expressão -
ser
comido
pela
distribuição.
Em Março de 2023, o preço do cabaz alimentar atingiu o valor mais elevado do último ano: 230,38 euros
Nuno tem uma vinha: “Os preços aumentam, mas não recebemos mais”
Nuno, Ricardo e Epiménio, pequenos produtores do concelho de Palmela, garantem que a inflação que se faz sentir no carrinho de compras não se traduz em receita para os agricultores.
A poucos metros da antiga escola primária dos Arraiados, Pinhal Novo, junto a um portão verde na rua do Ouro, Nuno Sousa levanta o braço num gesto de reconhecimento. É sábado e deixou o fato em casa. “Estou com roupa de campo, é melhor trocar?”, pergunta ao ver as câmaras do PÚBLICO.
Não troca, deixa-se ficar na camisola de malha azul e nas calças de ganga larga, enquanto conduz a conversa sobre a “pequena vinha familiar” que ali nasceu pela mão do avô. Mais atrás, com o rosto rosado do calor das folhas que ardem numa pequena queimada, está o pai.
Ricardo é técnico de manutenção nas oficinas da Comboios de Portugal (CP) e Nuno trabalha no departamento de marketing de uma empresa de climatização. Os dois alimentam esta produção pelo “gosto à vinha”. Produzem vinho para consumo próprio e vendem o excedente às adegas locais. “Com o preço a que nos pagaram a uva no ano passado, face aos custos que tivemos com a vinha, deu para comprarmos um par de calças e umas botas”, conta.
Encostado a uma velha oliveira à entrada da Quinta da Saudade, Nuno explica que quando enviou o testemunho ao Contas à Vida, quis “partilhar a realidade dos pequenos produtores”, que diz serem uma das “vítimas da inflação” e “de um aproveitamento por parte das grandes superfícies”. Apesar de acreditar que o seu exemplo “não é o mais gritante e que há casos bem piores”, serviu-se dele para “ilustrar um problema maior”.
“Nesta região a uva foi paga entre 33 e 35 cêntimos por quilo. No nosso caso em particular houve um aumento de um cêntimo em relação ao ano anterior. Para se ter uma noção, um pacote de herbicida ou um pacote de adubo tinha em 2022 o dobro do preço face a 2021”, revela. Para o jovem de 27 anos, o impacto da inflação no carrinho de compras não se reflecte, muitas vezes, em mais receita para o produtor. E isso, assegura, é “desanimador”.
“Eu e o meu pai mantemo-nos aqui por tradição familiar e porque não queremos deixar isto ao abandono”. E é, também, essa a motivação da maioria dos pequenos produtores de Valdera, garante. Esta localidade da freguesia do Pinhal Novo, no concelho de Palmela, dista oito quilómetros da Herdade do Rio Frio, um império cujo desfecho é o retrato da decadência em que mergulhou a região.
“Há 30 anos os terrenos estavam todos cultivados. Por esta altura, estava tudo semeado de batata, abóbora, cenoura. Agora, a maioria das pessoas desistiu”, recorda Epiménio Faquinha, sogro de Nuno. Com 28 hectares dedicados à produção agrícola, em 2022 vendeu a batata a 25 cêntimos por quilo à Eurobatata, em Palmela, “que as embala e vende aos supermercados”. “Foi um valor menor do que as consegui vender no ano anterior e, no fim, vi que nos supermercados o valor chegava a um euro, nalguns casos até mais”.
Apenas 13% dos agricultores em Portugal trabalham a tempo inteiro na própria exploração
Aproximadamente dois terços ocupam menos de 50% do horário laboral em culturas agrícolas
De acordo com a avaliação da Deco Proteste, organização portuguesa de defesa do consumidor, o preço do cabaz de produtos essenciais aumentou 24% no último ano. A 2 de Março de 2022 o custo total dos 63 produtos que compõem este cabaz, nos quais se incluem tomate, cebola, batata, leite, frango ou pescada, fixava-se nos 185,17 euros. Um ano depois, os portugueses pagam mais 45 euros pelo mesmo conjunto de bens: 230,38 euros.
A batata-vermelha está entre os dez produtos com maior crescimento percentual do preço, 61% face ao mesmo mês de 2021. A polpa de tomate ocupa o terceiro lugar do pódio. Em doze meses passou de 88 cêntimos para 1,65 euros.
Até Agosto de 2022, o tomate era precisamente a maior cultura de Epiménio, com uma produção de 116 toneladas por hectare. Chegou a trabalhar com a associação Hortisete, do Poceirão, antes de fechar. No último ano aliou-se à Benagro e venderam o tomate a uma fábrica em Águas de Moura e outra em Alcácer do Sal.
“Fiz batatas, cebolas, mas aquilo de que gostava mesmo era o tomate. Nunca fiz as contas, mas posso dizer que tenho tido boas produções e nunca perdi dinheiro, embora com muito esforço e trabalho”, diz. Confessa que o rendimento nunca foi suficiente para se dedicar à agricultura a tempo inteiro e, agora que se viu obrigado a pôr fim às produções por motivos de saúde, lamenta “o estado a que chegou o sector agrícola”.
As frutas e legumes foram a categoria de bens alimentares com o maior aumento percentual de preço
Em Junho de 2022, Epiménio vendeu a batata a 25 cêntimos por quilo a uma distribuidora
No mesmo mês, os consumidores portugueses pagavam 1,03€ euros pelo quilo da batata nas grandes superfícies
“Sinto-me revoltado, porque fartamo-nos de trabalhar e não somos nós que ganhamos a maior percentagem. Há casos em que uma pessoa que transporta uma caixa de um ponto para o outro ganha mais do que o produtor responsável pelo conteúdo que é transportado”, desabafa.
Já no início de Março, e em resposta ao aumento dos preços dos bens alimentares, o Governo anunciou um reforço da fiscalização “em toda a cadeia de distribuição”. De acordo com o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, há produtos com aumentos de 40%, 50% e até 70% e o objectivo das acções da ASAE é pôr fim a práticas de especulação. Ao todo, na primeira acção, foram fiscalizados 123 supermercados, abertos 10 processos-crime e 12 processos de contra-ordenação.
A paisagem em redor de um dos últimos terrenos cultivados por Epiménio contrasta com os grandes centros urbanos. Aqui os prédios dão lugar a moradias de telha cerâmica, separadas por extensas áreas de campos bravios, pontuadas por edifícios em ruínas, casas devolutas e velhos armazéns abandonados. Um cenário que é também o reflexo do desânimo de muitos daqueles que viveram os tempos prósperos das herdades do Pinhal Novo.
Para Nuno, esta realidade não é alheia aos consumidores, que “sabem que não é o produtor que recebe a maior fatia”. Mas teme pelo futuro da agricultura familiar. “Há muitos produtores que dizem que não vale a pena e isso compromete várias coisas, nomeadamente, a qualidade dos produtos que vamos passar a ter nos nossos supermercados”.