O melhor do cinema em 2023
As melhores estreias em Portugal de 2023. Escolhas de Jorge Mourinha, Luís Miguel Oliveira e Vasco Câmara.
10
Trabalhos de Casa de Abbas Kiarostami
Kiarostami levava o cinema à escola para um inquérito sobre a relação dos garotos com os trabalhos. A partir daí, faz-se um retrato da sociedade iraniana em meados dos anos 80, mas também se faz um grande filme sobre a relação entre educação e poder, e sobre o medo que tudo aquilo (a escola, a autoridade, os castigos) mete aos garotos. L.M.O.
9
Super Natural de Jorge Jácome
Atenção: objecto audiovisual não identificado! Escapando a todas as formatações e definições, não é um filme, é um happening audiovisual que quer abrir um diálogo com o espectador. Estreou-se tardiamente perante a indiferença geral; é o que costuma acontecer com obras à frente do seu tempo. J.M.
8
Maestro de Bradley Cooper
É tanto a recriação da exaltante vida de Leonard Bernstein (1918-1990), portanto um regalo do biopic de uma personagem, quanto um cometimento do assédio que Bradley Cooper sempre fez à direcção de orquestra, portanto um auto-retrato e um documento da embriaguez de um actor e realizador. Há muito que o espectador não via o espectáculo ser filmado assim pelo cinema americano. V.C.
7
A Romancista e o Seu Filme de Hong Sang-soo
Estamos permanentemente “em atraso” com Hong Sang-soo: em 2023, estrearam-se os seus filmes de 2022, este e o igualmente notável Lá em Cima. Do melhor e mais inspirado do seu autor, raríssimo praticante de um cinema verdadeiramente livre e permanentemente fervilhante. J.M.
6
A Princesa Errante de Kinuyo Tanaka
Este sumptuoso melodrama histórico de 1960, onde tudo está na perfeita e elegante coerência visual de uma encenação cuidada ao pormenor, parece dizer-nos como há tanto ainda por descobrir no cinema. J.M.
5
Ursos não Há de Jafar Panahi
O mais desesperado dos filmes que o iraniano dirigiu desde que começou a filmar “às escondidas”, mas também um dos seus mais lúcidos e lúdicos: uma enorme meditação moral sobre as consequências de usar uma câmara, essa observadora implacável, diluindo astutamente as fronteiras da ficção e realidade. J.M.
4
A Infância Nua de Maurice Pialat
Das (re)descobertas permitidas pelo ciclo Maurice Pialat, acontecimento de 2023, A Infância Nua, nunca antes estreado em Portugal, fez figura de pérola negra. O mundo não negociável da infância, todo ele rugosidades apesar dos rituais de convivência, onde os sentimentos não são partilhados, onde só a violência se pode expressar. O olhar do miúdo de A Infância Nua furta-se a qualquer contacto. Sublime. V.C.
3
Crepúsculo em Tóquio de Yasujiro Ozu
O filme de Ozu que imediatamente precede o seu colorido período final esgota de facto o preto & branco, num jogo sublime de sombras (muitas) e de luz (pouca). O grande tema do japonês nessa última fase (pais e filhos, o olhar de uns sobre os outros) num melodrama contido e elíptico, lancinante justamente por tanta contenção. L.M.O.
2
Para Sempre Mulher de Kinuyo Tanaka
Os filmes de Kinuyo Tanaka, no seu conjunto de seis trazido às salas pela The Stone and the Plot, foram a revelação do ano. E entre eles a muito particular revelação desta obra-prima, doridíssimo canto do destino de uma mulher no pós-guerra japonês, relato de uma emancipação e um melodrama de doença como nunca se fez em parte alguma. Todo o andamento final, rumo ao desaparecimento da personagem, vai em crescendo, e a comoção rebenta com a nota que deixa aos filhos: “Nada tenho para vos dar a não ser a minha morte, por favor aceitem-na”. L.M.O.
1
O Som do Nevoeiro de Hiroshi Shimizu
O terceiro tomo da iniciativa Mestres Japoneses Desconhecidos, a cargo do distribuidor Daniel Pereira e do programador Miguel Patrício, que desde 2021 trouxe já aos ecrãs portugueses 12 títulos comercialmente inéditos por cá, legou-nos esta obra-prima. É de 1956? É de hoje. Não se trata de uma idiossincrasia do mercado português nem é uma afectação ou tique de cinefilia esta presença do “passado” na nossa lista de 2023. É uma consequência global das profundas alterações da paisagem audiovisual e das novas estratégias de programação que se desenham em todos os mercados. O passado pura e simplesmente já não o é. Se queremos ser espectadores de cinema, e não apenas seus consumidores adormecidos, essa proposta é transcendente.
O sereno fulgor do filme de Hiroshi Shimizu, aqui nos anos finais de uma carreira iniciada na década de 1920, é disso testemunha na forma como nos interpela. O cinema transcende a mera condição de acontecimento físico. As personagens de O Som do Nevoeiro, homens cobardes e mulheres fadadas para o sacrifício e para o desaparecimento, movimentam-se dentro de uma campânula de vidro perfeita, mas estão imobilizadas no seu entorpecimento afectivo e social. Desenvolve-se uma violência silenciosa com a denúncia ou exposição dos mecanismos da sociedade. Isso é actual e é de todos nós. V.C.
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